A 16ª edição da CineOP – Mostra de Cinema de Ouro Preto acontecerá entre os dias 23 e 28 de junho em formato on-line por conta da pandemia de Covid-19. Na sua vocação de olhar para o passado em busca de reflexões para o presente e de conjugar ineditamente três eixos de pensamentos no audiovisual (a história, a educação e a preservação), o evento apresentará filmes, debates, masterclasses internacionais, rodas de conversas, atrações artísticas e várias outras atividades que serão transmitidas gratuitamente no site oficial.
A programação é estruturada em três frentes temáticas: Preservação, História e Educação, que dialogam entre si, formando um painel de exibições, debates e apresentações que contam com a presença de convidados nacionais e internacionais que refletem as inquietações e proposições em voga na edição. Para 2021, as equipes de curadoria conjugaram propostas a partir dos impasses dos últimos anos no cenário audiovisual brasileiro, agravados pela pandemia e pelas dificuldades e desafios que os setores audiovisual, da cultura e educação estão enfrentando; o tema central é Memórias entre diferentes tempos.
“A CineOP é pioneira e atua, desde sua criação, para a salvaguarda do imenso patrimônio audiovisual brasileiro e, mais uma vez, renova seu compromisso com a memória e a história do nosso cinema em diálogo e com a participação da educação. Acreditamos que a preservação é ação estratégica para o desenvolvimento e identidade de um país. A CineOP é um convite para todos os cidadãos atuarem a favor do nosso patrimônio”, destaca Raquel Hallak, coordenadora geral do evento.
Na Temática Histórica, que busca refletir no ontem o que está acontecendo agora, a escolha dos curadores Francis Vogner dos Reis e Cléber Eduardo foi a de focar no cinema brasileiro da década de 1990, sob o título Memórias entre diferentes tempos. Em que sentido é importante para 2021 retornar, por meio de filmes e de reflexões, a um período marcado por alguns fins e outros recomeços no cinema e na sociedade? A ideia é justamente encontrar os paralelos e reconfigurar os sentidos de cada período, a partir da constatação de que, após mais de 30 anos do fim da Embrafilme e da eleição do primeiro presidente por voto direto depois do fim do regime militar, há muitas camadas do país e do cinema, hoje reposicionadas, que foram semeadas como espécie de gênese desde 1990.
“É uma década de transição cultural e política, mas também de reproposições. Em um mundo globalizado e de três governos brasileiros (Fernando Collor, Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso) com uma agenda interna menos ou mais neoliberal, que na cultura procura transferir para as empresas – em troca de abatimentos fiscais, marketing e possibilidade de lucro financeiro direto – as decisões sobre investimentos em cultura, a questão da identidade nacional, mais associada aos anos 1950 e 60, é recolocada nas discussões em termos paradoxais”, defendem os curadores.
Foi um período de extensa batalha por legitimação da produção local e pelas negociações com a iniciativa privada, a quem foi dado poderes (via leis de incentivo fiscal) de definir quais filmes seriam ou não feitos e com que orçamento. Foi uma época, por exemplo, de grandes produções históricas que tentavam pensar o Brasil do passado e de filmes que abordavam assuntos do tecido social, olhando para as nossas mazelas com um tipo de lente espetaculoso, de forma a renovar a visão que se tinha do cinema brasileiro depois de seu sucateamento, potencializado na segunda metade dos anos 1980. “Retomar o cinema era lidar com alguns fantasmas e senso comuns, como o hermetismo do Cinema Novo, a vulgaridade das pornochanchadas, a má qualidade técnica dos filmes da Boca do Lixo, os erotismos descabelados a partir de Nelson Rodrigues e a sensualidade tropical das adaptações de Jorge Amado”, afirma a curadoria.
Paulo Betti em Lamarca, de Sergio Rezende.
Alguns dos filmes da Temática Histórica vão ilustrar ao público esse recorte, como: Carlota Joaquina, Princesa do Brazil, de Carla Camuratti (1995); Lamarca, de Sérgio Rezende (1994); Carmen Miranda: Bananas Is My Business, de Helena Solberg (1995); Baile Perfumado, de Paulo Caldas e Lírio Ferreira (1997); entre outros.
Na Temática Preservação, sob o título-pergunta Preservação audiovisual: Que caminhos trilhar?, os anos 1990 aparecem como uma rememoração de tempos de transição. Não foi uma década de crise nem de pujança, mas de maturação das condições que propiciaram a reconhecida consolidação do campo no Brasil, na década seguinte, em todas as suas contradições e complexidades. Um dos elementos desse processo, conforme aponta a dupla de curadores Ines Aisengart Menezes e José Quental, é a transformação e o crescimento pelos quais passam as instituições de patrimônio audiovisual, como a Cinemateca Brasileira, a Cinemateca do MAM, o Arquivo Nacional do Rio de Janeiro e a Cinemateca de Curitiba.
É ainda um tempo de aprimoramento do ensino e aprendizado audiovisual, o que propiciou mais pensamento e qualidade no trato com o material fílmico. A própria potência e popularidade do cinema brasileiro, sobretudo na Retomada, possivelmente influenciou e atraiu jovens para cursos de cinema que aos poucos também foram se multiplicando. A geração de profissionais que entraram no campo da preservação audiovisual na década seguinte são majoritariamente egressos de tais cursos de cinema, e trabalhos acadêmicos em torno da preservação oriundos dessa época hoje são referências técnica e historiográfica do setor.
Foi ainda um tempo de mudanças de tecnologia, da película para o vídeo e o digital, o que propiciou novos desafios. “A restauração de filmes foi o elemento mais expressivo na década de 1990, em particular os trabalhos realizados em dois laboratórios de restauração fotoquímica no país, a Cinemateca Brasileira, em São Paulo, e a Labocine, no Rio de Janeiro”, afirmam os curadores. “O digital foi ganhando espaço nas restaurações ao final da década, e os produtos derivados das primeiras restaurações necessitam de uma revisão em relação ao resultado final, sobretudo considerando a tecnologia disponível à época, que hoje percebe-se como defasada tecnicamente em relação às qualidades e características da película”.
O Encontro Nacional de Arquivos e Acervos Audiovisuais, principal fórum de discussões sobre preservação no Brasil, volta a acontecer na CineOP sob a égide do distanciamento e da crise no setor, o que fez a curadoria se voltar à reflexão sobre os desafios do momento: a crise pode ser ensejo para a mudança? Qual pode ser o papel do campo da preservação audiovisual?
Na Temática Educação, o título definido pelas curadoras Adriana Fresquet e Clarisse Alvarenga é Das ruínas às utopias: processos de criação audiovisual e metodologias de ensino. A proposta é discutir, através das mesas e fóruns a reunir educadores de todo o Brasil e alguns convidados internacionais, formas possíveis de aprendizado audiovisual em tempos de pandemia e ensino a distância. Para tal, o recuo aos anos 1990 se mostra importante, pois foi nessa década que surgiram câmeras de filmar suficientemente leves e acessíveis e que, associadas ao contexto social e político da época, possibilitaram uma série de propostas formativas envolvendo o cinema e os movimentos sociais no Brasil, entre elas o Cecip (Centro de Criação de Imagem Popular), no Rio de Janeiro, e a ABVP (Associação Brasileira de Vídeo Popular), em São Paulo.
O aprimoramento das metodologias é também enfoque pensado pelas curadoras para a CineOP em 2021: “Temos notado, nos novos processos educativos elaborados para o desenvolvimento do Ensino Remoto Emergencial, a força pedagógica dos filmes e outros produtos audiovisuais em aulas remotas síncronas e assíncronas”, afirmam. “Mas, ao mesmo tempo, se faz perceptível também a maneira como o contato remoto, envolvendo mais do que nunca a imagem e o som, aponta para uma série de limites aos processos de aprendizado quando realizados à distância. Justamente por isso persiste a necessidade de aprofundar o debate sobre as mediações, especialmente pretendemos apontar para o problema curatorial, que é fundamental para atender às necessidades e decisões pedagógicas atuais”.
Algumas das atividades já definidas são as mesas Oficinas de vídeo: tradições e transformações e Pedagogias do cinema e curadoria, além de um estudo de caso envolvendo as formas de trabalho educacional no Chile, país exemplar no uso do audiovisual como deflagrador de processos educacionais, inclusive na pandemia.
Nesse eixo triplo, a 16ª edição da CineOP, ainda que remotamente, volta a ser espaço de harmonia e encontros, tendo a cidade de Ouro Preto como marco histórico da importância de se pensar a história, a educação e a preservação como ações orgânicas de desenvolvimento cultural num país.
Pioneira desde sua criação, em 2006, a enfocar a preservação audiovisual, história, educação e a tratar o cinema como patrimônio, a CineOP reafirma seu propósito de ser um empreendimento cultural de reflexão e luta pela salvaguarda do rico e vasto patrimônio audiovisual brasileiro em diálogo com a educação e em intercâmbio com o mundo.
Foto: Divulgação.