9º Olhar de Cinema: elenco de Vento Seco, dirigido por Daniel Nolasco, fala sobre a primeira exibição no Brasil

por: Cinevitor

ventoseco1olhardecinemaProtagonista: Leandro Faria Lelo em cena.

Depois de passar pelo Festival de Berlim, Queer Lisboa, Outfest Los Angeles LGBTQ Film Festival, entre muitos outros, Vento Seco, dirigido por Daniel Nolasco, foi exibido pela primeira vez no Brasil na nona edição do Olhar de Cinema – Festival Internacional de Curitiba.

O longa faz parte da Mostra Foco, que este ano destaca o cineasta goiano Daniel Nolasco. Nascido em Catalão, o realizador escreveu e dirigiu mais de nove curtas-metragens e dois documentários; todos os filmes participaram e foram premiados em diversos festivais. Além de Vento Seco, a programação traz também outros dois títulos do diretor: Mr. Leather e Paulistas.

Usando o artificialismo como proposta estética, Vento Seco procura estabelecer um diálogo direto entre alguns elementos do melodrama e do filme erótico, buscando uma reflexão sobre a vida cotidiana dos trabalhadores de uma fábrica de fertilizantes. Além disso, busca levar ao cinema o ambiente pouco representado do interior do centro-oeste brasileiro com todas as suas complexidades. O filme também se debruça sobre a representação do desejo homoerótico buscando um diálogo com filmes que procuraram pensar uma forma de representação que rompesse com a tentativa de enquadrar os laços homoafetivos, exclusivamente, dentro de códigos estabelecidos por uma cultura que nunca teve como preocupação entender os relacionamentos homoeróticos sobre outro prisma, além daquele estabelecido pela moral vigente.

Com reprise na quarta-feira, 14/10, na programação on-line do Olhar de Cinema, o filme foi muito procurado pelo público e gerou bastante repercussão: “Ainda é muito recente nossa estreia por aqui. Mas tenho recebido muitas mensagens de amigos e também de pessoas que me procuram nas redes sociais. Isso tem me deixado muito feliz, pois estava ansioso em ver o filme no Brasil. As pessoas têm recebido de uma maneira muito positiva. Não é um filme fácil e pode ser levado para um lado superficial, porém, tenho recebido o carinho e olhares sensíveis das pessoas que conseguiram ser tocadas pela beleza e sutilezas do longa. É muito bom ver o filme percorrer o mundo”, disse o ator Rafael Teophilo, que interpreta o personagem Maicon, em entrevista ao CINEVITOR.

ventoseco2olhardecinemaRafael Teophilo em cena do filme.

A atriz Renata Carvalho também comentou a estreia nacional: “O filme está fazendo um caminho lindo por festivais no mundo todo, mas quando vem para o nosso país tem um gostinho especial. O público, de uma forma geral, inclusive no exterior, sempre manda mensagens carinhosas a respeito do filme. Estou muito feliz que a minha estreia no cinema tenha sido com Vento Seco”.

Leandro Faria Lelo, que interpreta o protagonista Sandro, também falou ao CINEVITOR sobre as primeiras impressões do público brasileiro: “Eu estava super ansioso pela repercussão do filme e tem sido muito bacana. O público tem se identificado e, até o momento, e o retorno tem sido de manifestações de carinho e agradecimento. As pessoas se reconhecem em alguma característica do Sandro”.

Recentemente, Leandro levou o prêmio de melhor ator no Iris Prize LGBT+ Film Festival: “Ser reconhecido por um trabalho que você fez é sempre muito bacana. Nesse caso, especialmente, é um trabalho no qual foi o mais intenso da minha carreira; de maior entrega, de maior cuidado no sentido de olhar para cada milésimo do personagem, cada respiração, movimento, cada expressão que passava pelo rosto. Foi um personagem muito trabalhado. Eu lembro que no set eu sempre ficava mais isolado porque precisava dessa concentração maior. Eu precisava entrar nesse clima introspectivo que é totalmente ao contrário da minha personalidade. Então, receber esse prêmio é incrível porque mostra que esse trabalho árduo valeu a pena, ter encarado todas as dificuldades do personagem (e não são nem as cenas de nudez). O prêmio vem para coroar esse encontro brilhante orquestrado pelo Daniel Nolasco. Um prêmio de ator nunca é só do ator porque ele não faz sozinho. Eu devo a todo mundo da equipe”, disse.

Allan Jacinto Santana, que além de interpretar o personagem Ricardo, também assinou a preparação de elenco, falou sobre sua relação com o filme: “Eu acho a proposta muito interessante e de como esse projeto foi se formando junto com a ideia do Nolasco, da equipe toda. Eu tenho um caso de afeto com a história e com o espaço em geral por ser goiano. Acho fenomenal participar disso porque, principalmente, é uma forma de catarse. Poder falar sobre isso, da forma que estamos falando, e observar esses corpos é fundamental para me entender. Conseguimos fazer um retrato muito bonito e muito artístico sem perder a força e o peso que tem de você desejar, amar e querer coisas que são fora da caixinha dessa sociedade que vivemos”.

ventoseco3olhardecinemaAlém de atuar, Allan Jacinto Santana também foi responsável pela preparação do elenco.

Sobre as filmagens e o entrosamento com a equipe, Renata Carvalho comentou: “Passamos quase dois meses em Catalão, que foi importante para conseguir unir o elenco. As relações foram daquelas que ficam guardadas para sempre no coração e na memória. E o Daniel Nolasco eu guardo num lugar muito especial, pois foi através dele que realizei um dos maiores sonhos da minha vida: fazer cinema”.

Rafael Teophilo também falou sobre o set e sua amizade com o diretor: “Eu já conhecia o Dani há um tempo quando morei no Rio de Janeiro. Fiz uma peça que ele escreveu e um dia ele me falou que tinha um filme e que teria um personagem para mim; alguns anos depois veio o Vento Seco. Hoje estamos aqui vivenciando todas essas conquistas. Fiquei dois meses em Catalão entre ensaios e filmagens. Não conhecia ninguém, além do Daniel. E foi mágico, foi uma delícia, muitos aprendizados pessoais e profissionais. Não poderia estrear no cinema da melhor forma! O Dani conversou muito conosco e sempre deixou claro que não precisaria fazer nada que não quisesse. Trabalhamos com muita generosidade e respeito”.

“O Nolasco tem uma forma muito sincera de lidar com tudo. Eu achei muito fácil entender o que ele queria pela forma de lidar com muita sinceridade e uma consciência de necessidade de saber o que fazer. Isso ajudou muito a entender as personagens, a história e aquele universo que se passa. Daniel era sempre muito direto no que queria e no que pedia. E isso faz todo sentido, sem grandes elucubrações, sem grandes filosofias porque estávamos ali para realizar uma prática. A filosofia está no filme, na forma como o filme carrega. O Daniel tem talento para falar sobre a realidade que é fenomenal. A sinceridade dele é o que mais me comove”, refletiu Allan Jacinto Santana.

ventoseco4olhardecinemaRenata Carvalho e Leandro Faria Lelo: colegas de cena.

Questionado sobre a importância de fazer parte deste trabalho, ainda mais em um momento no qual o audiovisual brasileiro passa por diversas ameaças, Leandro Faria Lelo comentou: “O meu último trabalho autoral é uma peça chamada Subcutâneo, realizada em 2015, que falava de um Brasil distópico, dominado por um governo fundamentalista religioso com dois personagens gays que viviam escondidos e reprimidos porque não podiam sair à rua sob ameaça de serem mortos. Então, desde já, eu venho trabalhando dentro desse universo, desses questionamentos. Quando eu entrei em contato com o Daniel, essa sinergia foi a primeira coisa que me atraiu. Então, vamos trazer à tona questões que são necessárias. E, obviamente, com toda essa relação com o governo atual, acho que se torna ainda mais necessário. Precisamos falar. Não podemos nos deixar calar por essa onda conservadora, tradicionalista e extremista que o Brasil tem enfrentado. Eu acho que a gente não conseguiria produzir um filme como Vento Seco hoje em dia; sem verba do governo e sem apoio privado. Seria quase inviável. Mas eu fico muito feliz de ter participado e muito honrado de dar minha cara para esse tipo de questionamento e discussão, que eu acho essenciais para esse momento”.

Rafael também comentou: “Sim, o filme é explícito em todos os sentidos. Quebra qualquer preconceito e conservadorismo e não está apenas nas falas em si, mas nas ações. É um filme que é! É corajoso, ousado, assumido, forte e, hoje, mais do que nunca, nós devemos ser e estar atentos e fortes. O Dani merece esse reconhecimento todo e serei eternamente grato a ele pelo Maicon. A arte denuncia, reflete seu tempo, quebra paradigmas, sensibiliza; é caos e beleza. Sempre existirá e nós estamos aqui para servi-la. Tenho orgulho em ser artista, amo meu ofício. Isso basta. Ameaça nenhuma me fará deixar de acreditar. Somos muitos e vamos continuar fazendo, sempre”.

“Estar nesse projeto me deixa muito orgulhosa. O filme, desde sua equipe técnica e elenco, é composto por LGBTs em sua maioria. Essa história ser realizada neste momento onde a cultura e o cinema estão sofrendo grandes ataques de um governo fascista, é uma espécie de farol e respiro para conseguir contar essa história”, finalizou Renata Carvalho.

Vento Seco tem estreia comercial prevista para o primeiro semestre de 2021.

Fotos: Divulgação/Olhar Distribuição.

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