Depois de passar por mais de 20 festivais em 10 países, o longa-metragem cearense A Jangada de Welles chega aos cinemas a partir desta quinta-feira, 23/06. O documentário, dirigido por Firmino Holanda e Petrus Cariry, retorna à fascinante experiência de Orson Welles no Brasil durante a gravação de It’s All True, especificamente a passagem do cineasta pela praia de Iracema e dunas do Mucuripe, em Fortaleza, em junho de 1942.
As filmagens, também lembradas pela trágica morte do jangadeiro cearense Manuel Jacaré, no Rio de Janeiro, se estenderiam pelo mês de julho na capital cearense, com imagens ainda sendo posteriormente registradas em Recife e Salvador.
Firmino Holanda, pesquisador e autor do livro Orson Welles no Ceará, afirma que Welles, antes de filmar em Fortaleza, já contava com as imagens cariocas que recriavam a chegada da jangada São Pedro ao Rio de Janeiro, tripulada por Manuel Jacaré, Jerônimo, Tatá e Manuel Preto. Este fato histórico ocorrera no ano anterior, em 15 de novembro de 1941, depois de 61 dias de travessia pelo mar Atlântico. A viagem, que chamou atenção de Welles, através da revista norte-americana Time, pela determinação dos envolvidos, os levou até o presidente Getúlio Vargas, para apresentar-lhe reivindicações trabalhistas da classe.
Vindo ao Brasil para registrar um segmento sobre carnaval carioca, Welles decidiu encontrar e filmar esses jangadeiros, criando um outro episódio para o longa It’s All True. Neste, a comunidade de pescadores, em Fortaleza, colaborou com a produção, fornecendo intérpretes principais e figurantes, engajando-se no movimento encabeçado pelo cineasta americano.
“Em 19 de maio de 1942, durante os trabalhos no Rio de Janeiro, então capital do Brasil, um acidente tirou a vida de Jacaré, que sumiu nas águas do mar. Welles, que muito o admirava, sentiu-se mais ainda obrigado a concluir seu episódio, isto quando os produtores já demonstravam desinteresse pelo projeto It’s All True, de modo geral. Isidro, irmão do desaparecido herói jangadeiro, o substituiu discretamente nas imagens feitas no Ceará, a partir de junho de 1942, atuando ao lado de Manuel Preto, Tatá e Jerônimo”, lembra Firmino.
A comunidade de pescadores, em Fortaleza, colaborou com a produção.
Holanda ainda ressalta que a equipe de Welles veio a Fortaleza bastante reduzida, formada pelo assistente Richard Wilson, sua esposa Elizabeth Wilson e a secretária Shifra Haran. Técnicos ligados à produtora carioca Cinédia, que cedeu a câmera principal utilizada, também participaram, sendo estes o diretor de fotografia George Fanto, seu assistente Reginaldo Calmon e Roberto Cavalieri, responsável pelo som guia.
“A gravação ainda contou com o apoio da Aba Film, empresa de Adhemar Bezerra Albuquerque, pioneiro do cinema cearense, que emprestou uma outra câmera para o filme, mais leve, que posteriormente se perderia no mar. Juntaram-se também ao grupo visitante o fotógrafo still Chico Albuquerque e a educadora Aída Balaio, que colaborou nos contatos no Mucuripe e na tradução, para que Welles se comunicasse com os intérpretes locais”, continua.
Essa não é a primeira vez que Holanda e Cariry se debruçam na coleta de depoimentos e de imagens de arquivo para falar sobre a jornada de Welles no Brasil. Em 2005, os dois dirigiram o média-metragem para a televisão Cidadão Jacaré, projeto do Programa de Fomento à Produção e Teledifusão do Documentário Brasileiro (DOCTV). Para Cariry, esse passo inicial foi muito importante não apenas para se conectar com os registros históricos sobre Welles no Brasil, mas também na parceria que seria construída com Holanda.
“Desde então, passamos a trabalhar juntos em diversos projetos dirigidos por mim, tanto de curta quanto de longa-metragem, em que ele colabora e assina também como roteirista e montador de vários deles. Poder ampliar a nossa visão sobre Welles no Ceará em A Jangada de Welles foi mais um desafio para o nosso trabalho em dupla, um esforço de pesquisa imenso para tentar mergulhar nessa história com a ajuda de estudiosos, intelectuais, participantes originais das filmagens e parentes do próprio Jacaré”, finaliza Cariry.
Com distribuição da Sereia Filmes, o longa foi premiado na 24ª edição do FAM, Florianópolis Audiovisual Mercosul, e exibido em diversos países, como, Estados Unidos, Chile, Espanha, Portugal, Argentina, França, Colômbia, Reino Unido.
Confira o trailer de A Jangada de Welles:
Foto: Chico Albuquerque.