Marcio Rosario no 22º Festival Mix Brasil de Cultura da Diversidade.
O cinema brasileiro está crescendo cada vez mais e a mistura de gêneros cinematográficos tem ganhado mais espaço e horários nas salas de cinema. Além disso, nossas produções transitam muito bem em festivais do mundo todo. Filmes brasileiros premiados e aclamados pela crítica, tanto por aqui, quanto no circuito internacional, ganham destaque frequentemente.
Para falar mais sobre isso e projetos futuros, batemos um papo com o ator e produtor premiado Marcio Rosario, que no ano passado fez sucesso nas telinhas em I Love Paraisópolis, novela de Alcides Nogueira e Mario Teixeira, com o personagem Bazunga. Além de atuar, é sócio da produtora Três Tons Visuais, formado pelo American Film Institute, em Los Angeles, e está em pré-produção de seu primeiro longa, a comédia romântica Santa Conexão. Entre muitos créditos no Brasil e no exterior, recentemente participou do filme Rio, Eu Te Amo e Os Mercenários e em breve estará em Deserto, drama dirigido por Guilherme Weber, selecionado para o 49º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro. Em seu currículo pela produtora, constam quatro curtas-metragens premiados no Brasil e no exterior: Viver Outra Vez, dirigido por Thomas Hale; Vazio e Flerte, dirigidos por Hsu Chien Hsin, e Sinal, de Charles Daves. Confira:
DESERTO
“Eu li o roteiro de Deserto e fiquei enlouquecido. É um texto primoroso do Guilherme Weber junto com a Ana Paula Maia, uma adaptação livre do romance Santa Maria do Circo, do escritor mexicano David Toscana. O filme se passa em 1900, no meio do deserto, e mostra uma trupe de atores indo para uma cidade para tentar sobreviver. Eles estão em péssimas condições financeiras e quando chegam lá percebem que não existe nada, só uma bica de água, e ficam na dúvida se poderia ser um milagre. O filme retrata o que o ser humano é capaz de fazer quando passa necessidade. Foi um trabalho maravilhoso, com um elenco composto de oito atores: Lima Duarte, Cida Moreira, Magali Biff, eu, Claudinho Castro, Everaldo Pontes, Fernando Teixeira e Pietra Pan. Uma honra dividir o trabalho com esses colegas especiais”.
Elenco de Deserto em cena.
PERSONAGEM
“Eu faço um ex-lutador circense, em fase de decadência corporal, que acaba tendo que viver um novo papel imposto pela sociedade em que vivem, na qual acontece uma grande transformação comportamental, inclusive sexual. Foi muito gratificante fazer, mesmo tendo que deixar o corpo fora de forma, três meses sem malhar, e fazendo pela primeira vez cenas de sexo, com nu frontal. Foi muito difícil e constrangedor, porém, muito desafiador. Na hora, aquele momento de concentração se faz necessário junto com o carinho da equipe e da sutileza do nosso diretor. Além disso, tivemos a honra de ter o diretor de fotografia português Rui Poças, premiadíssimo mundialmente, que tinha um cuidado muito especial com todos”.
O diretor Guilherme Weber conversa com Marcio nos bastidores de Deserto.
GUILHERME WEBER
“O Gui é um desses excelentes atores camaleões, que dirige muito bem teatro e cinema, e é um amigo inteligente, refinado, cuidadoso, inteligente e sobretudo, hilário. Seu trabalho é grandioso e de uma humildade absurda. Estamos super contentes que o filme tá saindo e sendo muito bem recebido por festivais no Brasil e no exterior, como o Festival de Brasília e o Los Angeles Brazilian Film Festival. Tenho certeza que fará uma carreira linda. Um filme apurado, de baixo orçamento e que teve uma equipe liderada por um diretor competente. Foram quatro semanas de filmagens, em Patos, na Paraíba, e uma semana intensa de ensaio com o Gui e com a equipe de diretores assistentes, encabeçados com competência pela Kity Féo. Foi uma experiência maravilhosa”.
LIMA DUARTE
“O Lima é brilhante. Fiz três novelas com ele, no mesmo núcleo, e só de observá-lo aprende-se muito. Esse [Deserto] foi meu quarto trabalho ao seu lado. Tinha medo de contracenar com ele na minha primeira novela, mas seu carinho e generosidade me fizeram enxergar tanto dessa profissão de estar disponível para o outro. Hoje, mais que uma grande referência, é também um amigo. Lembro que ele tinha uma cena muito importante, de duas páginas, e dois dias antes de filmar já estava tudo decorado. Quando fomos passar o texto, ele ainda estava com algumas dúvidas. Quando foi fazer a cena, fez de primeira, sem errar nada e toda a equipe estava admirando sua atuação. Quando a equipe para ver o profissional é uma bênção, porque você sabe que ele está dentro do que deveria estar perfeitamente”.
Lima Duarte em Deserto.
VERSES AT WORK
“Fiquei super feliz em participar desse projeto porque fui para os Estados Unidos fazer um outro trabalho, que ainda não aconteceu, e fui chamado para o teste desse personagem e acabei ganhando o papel. Um prazer ter conhecido esse diretor novo e estreante de Goiânia, chamado Lucas Mendes. O filme é um drama, baseado na vida de um rapper americano e tem uma linguagem muito bacana. É de baixíssimo orçamento, todo rodado em inglês, e com uma excelente qualidade. Ele começa agora no circuito de festivais, no LABRFF, antes de estrear no Brasil. Tem um elenco pequeno e eu acho isso muito bom porque você tem um tempo de trabalhar com o diretor. Acho interessante que tem essa linguagem do rapper, mas tem também uma profundidade que mostra como é difícil a batalha desses profissionais. É um filme muito real”.
DISTRIBUIÇÃO GARANTIDA
“Verses at Work está sendo editado nos Estados Unidos e a distribuidora é americana, Sunshine Entertainment, que está cuidando com carinho do caminho do filme junto com a Afinal Filmes, coprodutora brasileira. É muito difícil você ter um filme de um diretor brasileiro, com texto americano, sobre uma história americana, que logo já sai com distribuição garantida lá fora. Isso é muito legal porque tem realmente uma visibilidade muito grande. Eu acabei me tornando produtor do filme também e estamos vendo a possibilidade de fazer o lançamento em Los Angeles e Nova York, com os atores americanos e brasileiros. Feliz de competir de novo como produtor em Los Angeles, no LABRFF, festival liderado pela Meire Fernandes que faz um lindo trabalho e que sempre acolheu meus filmes, inclusive ganhei melhor filme (empate) com Flerte e Filho do Crime“.
COLEGAS DE ELENCO INTERNACIONAL
“É todo falado em inglês, com ótimos atores americanos, mas tem outro brasileiro no elenco, o Sandro Pedroso. Quando fui fazer minha participação já tinham filmado com o Sandro e soube pela equipe que ele foi muito bem, visto que o primeiro filme, para qualquer estrangeiro, em inglês, é muito complicado. Não só foneticamente, mas também pensamos diferente dos americanos. Lembro dos meus primeiros filmes no exterior… passava muito trabalho apenas para pensar de forma diferente. Fiquei feliz pelo Sandro que conseguiu ser escolhido entre tantos atores que fizeram testes e não foram tão bem. Temos atores maravilhosos e precisamos de mais chances para mostrarmos nosso potencial, porém, sem bons textos fica difícil. Tenho certa preguiça de quem me vê sempre da mesma maneira”.
Marcio Rosario em cena de Verses at Work.
PRODUTOR NO BRASIL E NO EXTERIOR
“Existe muito dinheiro em Hollywood, mas para as pessoas certas. Quando a gente sai da faculdade, lá nos Estados Unidos, você tem que produzir seus filmes de forma totalmente independente e com isso você acaba fazendo um tipo de filme que você quer fazer. Mas vale lembrar que não tem no Brasil essa faculdade que eu fiz lá fora, que você sai formado como produtor; quatro anos estudando apenas para produzir e não fazer produção. E o produtor é aquele cara que vai ficar junto com o diretor o tempo todo; vai criar tudo que tem a ver com o sucesso do filme. No Oscar, por exemplo, quem recebe o prêmio de melhor filme é o produtor. Então, essa é a hierarquia, essa é a importância. Muita humildade para deixar o diretor criar, mas muita paciência e controle para não estourar o orçamento. É muito bom entender que o produtor não quer ser o diretor. E é muito bom que os diretores entendam qual a função deste produtor”.
LEIS DE INCENTIVO
“Muito necessário ter esses mecanismos de negócio, mas precisamos ficar antenados em tudo que pode ser feito. Nunca fiquei esperando editais, pois precisamos buscar formas amplas para encontrar o dinheiro. Cada um tem que produzir o que gosta e o que acredita. A primeira regra é ser organizado; depois você tem que entender de leis, porque qualquer coisa vai vir contra você. Então existe uma responsabilidade muito grande quando você produz. As leis de incentivo são muito importantes porque dão um certo fomento, mas não podemos contar só com isso, pois existe um Brasil inteiro com vontade de produzir e poucas condições favorecidas, mas você tem que acreditar no seu projeto e ter paciência. Os melhores filmes levam anos para saírem do forno. Gostaríamos que existissem mais editais de circulação, pois temos muitos filmes brasileiros maravilhosos que não chegam ao grande publico por conta da pequena janela de exibição na política cultural atual”.
CURTA-METRAGEM
“Eu adoro fazer curta-metragem. Vai ser sempre o seu cartão de visita, ele não pode estar amassado ou dobrado. Tem que estar intacto. Assim deve ser seu curta. Fui muito feliz nos quatro filmes que produzi pela minha produtora. Com Viver Outra Vez, dirigido pelo americano Thomas Hale, rodei com 8 mil reais no Retiros dos Artistas, no Rio de Janeiro, e teve uma carreira linda, atualmente disponível no NET NOW. Com o Flerte, dirigido por Hsu Chien Hsin, ganhamos muitos prêmios, entre eles o da Academia Brasileira de Cinema, como melhor filme de ficção. Muito feliz por ser um filme difícil, com temática LGBT, que acabou sendo premiado pela classe. O Vazio, também dirigido por Hsu Chien Hsin, e o Sinal, dirigido pelo Charles Daves, participaram de vários festivais aqui e no exterior e agora vai entrar em licenciamento na TV a cabo. Eu gosto muito de fazer o circuito de curtas-metragens porque a gente tem total domínio para escolher onde você quer mandar seu filme, como no processo do cinema independente americano. Com os curtas você não precisa pedir licença para um série de pessoas”.
Cena do curta Vazio, dirigido por Hsu Chien Hsin.
CINEMA BRASILEIRO
“Eu tenho muita dificuldade de encontrar bons roteiros. Acho que isso influencia muito na hora de encontrar o que vou produzir e conversando com amigos produtores, que possuem o mesmo problema, acabo acreditando que isso afeta um pouco o cinema brasileiro de um modo geral. Um roteiro não se faz da noite para o dia e uma boa ideia nem sempre vira um bom roteiro. Precisamos investir mais nesse setor, que sofre com a falta de roteiristas, de verdade, e a falta de percepção em contar histórias simples brasileiras, que os espectadores de outros países entenderão. Nós temos uma cultura tão rica que é muito pouco explorada. Eu adoro filmes como O Auto da Compadecida, Deus é Brasileiro, Lisbela e o Prisioneiro, Que Horas ela Volta?, Hoje Eu Quero Voltar Sozinho, entre outros. Temos condições de fazer um cinema muito maior do que estamos fazendo. Vamos melhorar cada vez mais. Se o roteiro é bom, as pessoas vão assistir, sendo drama ou comédia. Porque é isso que acontece lá fora: os filmes não fazem sucesso só pelos atores consagrados, mas também por um roteiro bem escrito”.
I LOVE PARAISÓPOLIS
“Bazunga foi um presente para a vida toda. Sou eternamente grato pelo convite do Tide [Alcides Nogueira]. Acredito que todo ator tem que fazer televisão para aprender a criar o desapego. Ano passado fiquei em função da novela I Love Paraisópolis e você aprende a criar um mecanismo de necessidade diária criativa porque você acaba gravando as cenas de hoje e deu; amanhã tem mais quatro, cinco ou nove pra fazer. Falo função no melhor dos sentidos, pois o trabalho é muito cansativo e gratificante. Você quer sempre fazer com categoria e com qualidade. Eu estava em um núcleo super seguro de amigos talentosos e parceiros de cena, que tinha Caio [Castro], Carolzinha [Caroline Abras] e Leandro [Daniel] e acabei entrando em outros núcleos e ganhando de presente dos autores, como por exemplo, um namoro com a talentosa, generosa e querida Olivia Araújo, minha eterna Melodia. Nos tínhamos um elenco muito talentoso e o bacana de uma novela é que você vai cruzando com diversas pessoas, trocando energia e fazendo novas amizades que acabam durando pra vida toda”.
Caio Castro e Marcio Rosario em cena da novela I Love Paraisópolis.
PRÓXIMO PROJETO
“Estou muito feliz com meu próximo filme, a comédia romântica Santa Conexão, uma ideia que eu vim desenvolvendo há três anos, escrevi o argumento e contratei dois talentosos e divertidos roteiristas, André Silveira e Vitor de Oliveira, para finalizar o roteiro. Vai ser o primeiro longa da minha produtora, a Três Tons Visuais, em parceria com o Marcelo Pedrazzi da Afinal Filmes, e será distribuído pela Europa Filmes. Charles Daves e Cris D’Amato, assinam juntos a direção. O filme começa no Dia dos Namorados, passa pela procissão de Santo Antônio e termina em São João. São coisas do Brasil que eu gosto muito. Estou nesse processo de desenvolvimento e de produção há um ano, escolhendo locação, analisando tudo, pensando nas músicas. Estou tendo o prazer de dividir com o Wilson Feitosa, da Europa Filmes, todos os detalhes. E é muito tranquilo. Ou seja, tudo que eu sempre ouvi, que é dificílimo trabalhar com as distribuidoras brasileiras, está sendo ao contrário. O Wilson entende de demanda de cinema e isso é muito mais fácil e deixa o produtor feliz”.
EQUIPE
“Quando vou escolher a equipe, junto com os diretores, sempre penso se eu consigo ficar 12 horas com tal profissional. De repente, tem uma pessoa que nem é tão genial, mas tem uma vontade muito grande de vencer e acertar. Ela vai render muito mais do que o cara que é genial. Eu prefiro não trabalhar com tanta genialidade, mas com mais vontade e tesão para fazer as coisas. É uma regra primordial para escolher equipe. E para mim, o melhor elenco é aquele que se adequa ao filme. Não procuro atores em emissoras, eles precisam ser perfeitos para os personagens, e tendo uma equipe caprichosa e dedicada, que vai fazer o filme crescer, temos que agradecer aos deuses pela realização do filme”, finalizou.
Fotos: Divulgação, Fernanda Vasconcelos e Raul Barros.