Jusqu’à la garde
Direção: Xavier Legrand
Elenco: Léa Drucker, Denis Ménochet, Thomas Gioria, Mathilde Auneveux, Mathieu Saikaly, Florence Janas, Saadia Bentaïeb, Coralie Russier, Sophie Pincemaille, Emilie Incerti-Formentini, Jérome Care-Aulanier, Jenny Bellay, Martine Vandeville, Jean-Marie Winling, Martine Schambacher, Jean-Claude Leguay, Julien Lucas, Laurence Besson, Yannick Hélary, Anne-Gaëlle Jourdain, Noémie Vérot, Sabrina Larderet, Sylvain Pajot, Christophe Lechauve, Léo Delorme, Charlie Ballaloud.
Ano: 2017
Sinopse: Depois do divórcio, Myriam e Antoine dividem a guarda do filho. Refém de um pai ciumento e violento, e escudo para uma mãe perseguida, Julien é levado até o seu limite para prevenir que o pior aconteça.
Crítica do CINEVITOR: Em 2014, o cineasta francês Xavier Legrand foi indicado ao Oscar de melhor curta-metragem por Avant que de tout perdre, uma prévia de Custódia, pois o curta narra basicamente a mesma história e conta com praticamente o mesmo elenco. Agora, em sua estreia como diretor de longa-metragem, Legrand foi logo premiado: levou o Leão de Prata de melhor direção no Festival de Veneza e o Prêmio da Crítica de melhor filme internacional na Mostra de São Paulo. Na história, Miriam e Antoine estão divorciados; enquanto ela luta pela custódia exclusiva de seu filho Julien para protegê-lo de um pai que ela afirma ser violento, Antoine defende seu caso como um pai desprezado. Logo, a juíza decide a favor da custódia compartilhada. Refém do crescente conflito entre seus pais, o menino é levado ao limite para evitar que o pior aconteça. Custódia é uma bomba-relógio, tanto para seus personagens quanto para os espectadores. A tensão narrativa construída por Xavier Legrand, que também assina o roteiro, aparece já na primeira cena e permanece ao longo dos 93 minutos de duração. Esse drama familiar, que retrata situações cotidianas de uma relação abusiva, poderia ser classificado também como um filme de terror. Daqueles de tirar o fôlego, assim como na vida real. Aqui, não há monstros mascarados ou personagens fugindo de serial killers. Custódia é angustiante porque mostra com veracidade uma realidade cruel e aborda temas importantes e necessários para discussão, como a violência doméstica contra mulheres, por meio de uma direção impecável de Legrand, que destaca seus personagens e seus conflitos com uma câmera intimista capaz de revelar as angústias e os medos de cada um por meio de gestos e, principalmente, de olhares. Essa câmera, quase sempre fixa, é também uma personagem e observa tudo o que acontece em sua volta sem interferir nas ações. Excelente escolha do diretor para criar um clima ainda mais denso em sua narrativa: é como se ela ficasse ali parada sem chances de reagir, com medo e indefesa, diante de situações trágicas, tais como vivem alguns de seus protagonistas em momentos angustiantes e assustadores. Com um elenco talentoso e bem dirigido, que conta com Léa Drucker e Denis Ménochet nos papéis de pai e mãe, vale ressaltar a brilhante atuação do jovem Thomas Gioria, que interpreta o filho. É ele quem nos insere nessa família e nos apresenta todas as tensões e emoções que permeiam a história. Seu olhar assustado e suas ações espontâneas, tanto do medo que sente pelo pai, um homem que exala violência, quanto de dor, refletem em seu estado emocional, abalado pelo peso que carrega diante dessa briga por sua guarda compartilhada. Aqui, temos um pai agressivo que não consegue controlar seus instintos; ao mesmo tempo em que não economiza palavrões, se arrepende de tais atitudes: chora, reflete e finge tentar mudar, mas não consegue, pois logo sua fúria volta a se revelar. A mãe, com medo, faz de tudo para se esconder e manter distância daquilo que já fez muito mal à ela e à sua família. Assim, Custódia fica ainda mais forte por apresentar pontos de vista distintos que se conectam: no psicológico, analisamos a atitude de cada personagem e como agem perante tais situações; no social, traz uma discussão fundamental sobre as consequências de uma relação abusiva e seus traumas. Não estamos diante de uma batalha entre gato e rato ou de quem está certo ou errado, mas sim de uma análise comportamental sobre o ser humano e de como ele projeta e ultrapassa seus limites no dia a dia, afetando não só os seus mas toda uma sociedade, tanto para o bem quanto para o mal. Estamos falando de pessoas que se sentem ameaçadas. Ao juntar todos esses elementos, Legrand realiza um filme que foge de clichês e do melodrama, humanizando seus personagens, sejam eles vilões ou vítimas, sem estereótipos. Contudo, nem por isso, deixa de dar voz aos que realmente sofrem abusos físicos, verbais e emocionais nessa história. Custódia é devastador (e um soco no estômago) porque retrata pesadelos vividos diariamente por milhares de pessoas, principalmente mulheres. Vale lembrar que, segundo a ONU, sete em cada dez mulheres no mundo já foram ou serão violentadas em algum momento da vida. Além disso, a violência contra elas e crianças é uma das mais predominantes no mundo. Ainda que seja uma ficção, Custódia comove e impacta por sintetizar histórias reais e cruéis que, infelizmente, acontecem fora das telonas. Com um desfecho angustiante (e aterrorizante), que deixa o espectador sem fôlego, o filme de Xavier Legrand já pode ser considerado um dos melhores do ano por apresentar com maestria uma trama dilaceradora que traz reflexões urgentes sobre esses tempos tão sombrios em que estamos vivendo. (Vitor Búrigo)
*Filme assistido na 41ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo.
Nota do CINEVITOR: