Lucio Vilar, diretor executivo do festival, na edição do ano passado.
A 15ª edição do Fest Aruanda do Audiovisual Brasileiro, que começou na quinta-feira, 10/12, e segue até o dia 17 de dezembro, precisou passar por mudanças para comemorar seus 15 anos e também os 60 anos do filme que dá nome ao evento, o curta-metragem Aruanda, de Linduarte Noronha, lançado em 1960.
A realidade imposta pela Covid-19, com os cinemas fechados ou ainda com muitas restrições, levou os eventos audiovisuais para a internet e esses foram os fatores que também levaram o diretor executivo do Fest Aruanda, Lucio Vilar, a pensar novos caminhos. Por fim, prevaleceu a decisão final da realização em formato híbrido: presencial e on-line. Assim, serão duas sessões presenciais, respeitando todos os protocolos sanitários já seguidos pela rede Cinépolis, no Brasil, com metade da lotação da sala, uso de máscaras, entre outros: sessão de abertura, que já aconteceu em João Pessoa, na Paraíba, e de encerramento.
As demais sessões seguem totalmente on-line através de uma plataforma especial (clique aqui). A linha curatorial do festival, assinada pelo jornalista Amilton Pinheiro, “transita, esse ano, por temas que estão na ordem do dia, no Brasil, como as questões indígenas, pautas identitárias, raciais, intolerância, ditadura militar e suas implicações nos anos 70 e o país, hoje, em turbulência com ameaças à sua jovem democracia”, aponta Vilar. Como sempre, a programação está distribuída entre curtas e longas das mostras Competitiva Nacional e Sob o Céu Nordestino, somando 42 filmes que poderão ser acessados a partir da plataforma para todo o Brasil e mundo.
Sala lotada para a sessão de abertura da edição passada.
Para falar mais sobre a realização desta 15ª edição do Fest Aruanda, conversamos virtualmente com Lucio Vilar, diretor executivo do evento, sobre a preparação do festival on-line, dificuldades, curadoria, cinema nordestino, plataforma especial e saldo final. Confira os melhores momentos:
PREPARATIVOS
“Quando você está fazendo a prestação de contas de uma edição, já começa a pensar na próxima. No caso, a próxima tinha toda essa simbologia dos 15 anos do festival, os 60 anos de Aruanda e os 90 anos do Linduarte Noronha se estivesse vivo. Já tínhamos isso muito claro, que o caráter do festival seria de efeméride. Porém, em março fomos surpreendidos pela pandemia, mas ainda tínhamos a doce ilusão que as coisas poderiam estar mais calmas no final do ano. Ninguém tinha noção exata da dimensão de tudo isso. Então, fomos nos adequando. Foi um processo muito doloroso, de muita angústia e a situação se complicando; os outros festivais sendo prorrogados e já adotando o on-line. Até então, eu acreditava que poderia fazer presencial no final do ano. Com isso, continuamos trabalhando na curadoria com o Amilton Pinheiro sempre presente”.
FILME DE ABERTURA
“A primeira vez que eu falei com o Roberto Berliner [diretor do documentário Os Quatro Paralamas], disse que queria fazer a abertura na praia. Ele vibrou, achou o máximo e ainda cogitou a presença do Herbert Vianna. Não deu certo, mas mantivemos o filme na abertura do festival e foi importante. Obedecemos todos os protocolos. A própria Cinépolis, nossa parceira há seis anos, já vem fazendo isso desde a reabertura das salas”.
REPERCUSSÃO VIRTUAL
“O mais bacana que tenho percebido é que as visualizações das mesas e dos debates vão aumentando com o passar dos dias porque fica tudo gravado. Fizemos um painel, por exemplo, que fiquei impressionado [Aruanda, 60 Anos Depois, com mediação de Maria do Rosário Caetano e participação dos cineastas Jorge Bodanzky e Vladimir Carvalho]. Foi uma aula magna com revelações sobre os bastidores e também sobre o processo de formação do Bodanzky falando sobre o quanto o filme foi importante ele”. Clique aqui e assista.
“Os debates presenciais ficavam muito restritos ao público presente. Acredito que o debate é a coisa mais importante de um festival, pois é um momento de aprendizado para todos; é um momento muito rico. E o festival oferece isso desde o início, assim como a requalificação profissional com as oficinas. No virtual, ganha-se ainda mais com muitas visualizações”.
Cena de Aruanda, de Linduarte Noronha: clássico do cinema brasileiro.
PLATAFORMA ESPECIAL
“Uma coisa que começamos a vislumbrar é que essa plataforma possa servir para outros fins. Por exemplo, os curtas não ganham tanto espaço de tela. De repente, podemos ter um aparato que possa democratizar isso. Essa plataforma foi pensada para o festival, mas já começo a vislumbrar para outras possibilidades. Eu ainda não sei como será, mas já é algo muito positivo”.
“A Paraíba é um dos estados com a mais intensa e consistente produção de curtas-metragens, tanto do ponto de vista quantitativo quanto qualitativo. Esses conteúdos às vezes se perdem porque ficam só em festivais, sem outro destino. Mais do que nunca, essa ideia de seguir com a plataforma, sendo vitrine para essa produção local e regional, ou até mesmo como uma Cinemateca do próprio festival, é muito positiva. São ideias que vamos pautar”.
“Nesta primeira experiência, tivemos alguns percalços e as próprias pessoas não estavam acostumadas. Mas agora, a máquina já está mais azeitada, pois demos o suporte e ensinamos o passo a passo. Isso faz parte do processo. Nunca fizemos e é uma experiência absolutamente nova. A empresa é a mesma que fez a plataforma do Olhar de Cinema [que aconteceu em outubro]. Ainda não temos os números oficiais, mas essa plataforma gera relatórios que serão muito importantes para avaliar o festival e o seu alcance para futuras edições, considerando que ainda não teremos a certeza do que virá”.
CINEMA NORDESTINO
“Para mim, esse viés nordestino no Fest Aruanda é um dos nossos maiores acertos. Em 2018, quando tivemos uma grande quantidade de longas, a mostra ganhou caráter competitivo. Foi uma virada de página na Paraíba. Acredito que a repercussão é a melhor possível, pois garantimos esse espaço de legitimação do curta-metragem nordestino e paraibano dentro do Aruanda. Em dados ainda não oficiais, o longa metragem paraibano Aponta Pra Fé – Ou Todas as Músicas da Minha Vida, de Kalyne Almeida, uma jovem diretora, foi um dos mais requisitados na sessão de ontem [domingo, 13/12]. Você começa a perceber uma procura e um interesse em conhecer a produção paraibana”.
Equipe do filme paraibano Desvio, de Arthur Lins: grande vencedor do ano passado.
REDES SOCIAIS
“Estamos com as redes sociais muito mais ativas do que nos anos anteriores. Sendo um festival híbrido, não teria como ficar só nas mídias tradicionais. Sabemos que quem dá o gás hoje em dia é a rede social. Precisávamos de gente jovem e com perfil para fazer isso. Estamos com uma equipe muito boa. Foi uma decisão acertada”.
CURADORIA E SALDO FINAL
“Acredito que com todas as dificuldades, angústias e incertezas que tivemos, já é uma grande vitória realizar nessas condições. Nos sentimos vitoriosos por ter realizado uma abertura digna. Foi muito válido. No sentido de, mais uma vez, reafirmar a importância do cinema paraibano, que vem desde 1960 e muita gente desconhece. Vocês precisam conhecer o filme Aruanda, que está disponível no YouTube, porque isso é a nossa história e é um filme que não envelheceu. É um clássico! Colocamos em debate, através dos filmes, um conjunto da obra da curadoria que permeia todos os filmes conectados. Há uma coesão e uma coerência do ponto de vista curatorial. Há uma linha que liga todos eles, é impressionante”.
“Aruanda, que abriu o festival, traz a temática negra colocada a partir do ponto de vista de um diretor branco, mas que revoluciona a maneira de fazer documentário no Brasil. O filme influenciou Glauber Rocha, que escreveu um artigo no suplemente dominical do Jornal do Brasil, que se tornou uma peça célebre, falando sobre introduzir o moderno no documentário brasileiro. Esses filmes todos, essas escolhas e as mesas, já permitem, nesse momento do festival, uma avaliação muito positiva de vitória. Esse é o sentimento diante todas as incertezas que vivemos. Quinze anos não poderiam passar em branco e tínhamos que manter o festival em pé. Ainda com duas sessões presenciais para manter o gostinho do calor da plateia; a abertura foi muito emocionante e o encerramento também promete pelas surpresas que sempre acontecem”, finalizou.
*Clique aqui e conheça os selecionados para a 15ª edição do Fest Aruanda, que segue até o dia 17 de dezembro.
Fotos: Mano de Carvalho/Divulgação.