A cineasta venezuelana durante o debate.
Depois de passar pelos festivais de Sundance, Toronto, Miami, Málaga, Atlanta, Hot Docs e ser premiado no Hot Springs Documentary Film Festival e no Festival de Cine Venezolano, o documentário Era Uma Vez na Venezuela (Érase Una Vez en Venezuela, Congo Mirador), de Anabel Rodríguez Ríos, foi exibido na Mostra Competitiva ibero-americana de longas da 30ª edição do Cine Ceará.
Sob os relâmpagos silenciosos do Catatumbo existe uma cidade aquática chamada Congo Mirador, ao sul do Lago Maracaibo, o maior campo petrolífero da Venezuela. Lá, as pessoas se preparam para as eleições parlamentares. Para a líder chavista do povoado, Tamara, cada voto conta, e faz todo o possível para obtê-los. Para Natalie, timidamente oposta, a política é uma arma para tirá-la do emprego de professora. A pequena Yoaini observa sua comunidade ficar lamacenta com a sedimentação e sua infância sendo dissolvida. Como pode uma vila de pescadores sobreviver à corrupção, poluição e devastação política?
Depois da exibição na segunda-feira, 07/12, no Cineteatro São Luiz, a diretora participou presencialmente de um debate mediado por Neusa Barbosa, que também foi transmitido no canal do YouTube do festival. Entre tantos assuntos, Anabel Rodríguez Ríos comentou sobre o seu primeiro contato com Congo Mirador: “Em 2008, eu estava me preparando para fazer uma série documental sobre os latino-americanos, que era coproduzida pelo Brasil [por Malu Campos]. Para falar da Venezuela, começamos a filmar naquela região para mostrar o fenômeno dos raios [Relâmpago do Catatumbo] que abre o documentário. Logo, as crianças se aproximaram em uma embarcação improvisada e assim tive o primeiro contato”.
Vale destacar que Relâmpago do Catatumbo, segundo a Wikipédia, é um fenômeno atmosférico que ocorre na Venezuela, somente sobre a foz do rio Catatumbo, onde ele deságua no lago Maracaibo. Os poderosos e frequentes relâmpagos sobre esta área relativamente pequena são considerados o maior gerador único do mundo de ozônio troposférico.
Premiado: cena do documentário que rodou diversos festivais.
Depois desse primeiro contato, Anabel se aproximou ainda mais daquelas pessoas: “Um pouco depois, voltamos para filmar um curta, também produzido pela Malu, que se chama El Galón (The Barrel). E aí já foi uma aproximação mais direta com a população”. Com isso, ao longo de muitos anos, se tornou íntima daquelas pessoas: “Eu quis começar a contar essa nova história através das crianças. Foi um processo longo e decidimos focar na história da professora Tamara. Durante aqueles anos, aconteceram várias eleições, pois na Venezuela elas acontecem quase que anualmente. Só que nesse momento, em 2015, foi uma eleição muito tensa e aí decidimos focar nessa específica por ser a mais importante para mostrar”.
Recentemente, Era Uma Vez na Venezuela, também conhecido como Once Upon a Time in Venezuela, foi o escolhido do país para disputar uma vaga entre os finalistas na categoria de melhor filme internacional do Oscar 2021: “É uma honra ter o nosso filme escolhido. Primeiro porque quem seleciona é uma comunidade de cineastas [independente do governo] e ali haviam chavistas e não chavistas. Por isso, chegar nesse acordo foi incrível. Tinham outros filmes muito interessantes, como La Fortaleza [de Jorge Thielen Armand], que passou em Roterdã e Guadalajara”.
E falou mais sobre o prêmio da Academia: “Agora temos essa responsabilidade de empurrar o filme para que ele se torne visível. Temos uma estratégia, uma equipe; há também um apoio econômico de um distribuidor nos Estados Unidos, mas também estamos levantando recursos por crowdfunding. É como se fosse uma campanha eleitoral para conseguir chamar atenção dos membros da Academia. É publicidade pura e muito custoso. Me sinto uma formiga na Amazônia. Parece uma missão impossível… mas, vamos lá! Para Venezuela é uma esperança e funciona como um grito”.
Sobre a atual situação de seu país de origem, Anabel comentou: “A Venezuela vive algo muito complexo. A começar que as pessoas estão passando fome, não só o mais pobres, mas também da classe média como alguns dos meus familiares. As pessoas estão inventando formas de sobrevivência; uma forma de economia de escambo”.
Anabel e a produtora brasileira Malu antes da exibição do filme no São Luiz.
A cineasta, que hoje mora na Áustria, também revelou dados importantes sobre o cinema feito na Venezuela: “A situação atual é: no momento, não temos fundo para a realização dos filmes. Existe o Instituto de Cinema, que foi formado, há 30 anos, por uma lei através de cineastas. Há um concurso, mas perdeu-se a pluralidade. Quando tem dinheiro, por exemplo, consegue-se pouco, algo como mil dólares para fazer um filme. Não existe um interesse econômico em nossas histórias e por isso temos que procurar coproduções fora. Neste ano, foram produzidos apenas 15 filmes na Venezuela. Sempre dentro desse esquema de coprodução ou com cineastas que moram fora do país. Antes produziam três vezes mais”.
Ao final do debate, Malu Campos, produtora brasileira do filme, falou sobre sua participação no projeto: “Há alguns anos tenho acompanhado o trabalho de Anabel. Neste, queríamos realmente que fosse uma coprodução de fato e não só algo burocrático. Fizemos toda a parte de finalização de som no Brasil, com o Daniel Turini, que Anabel tem muita admiração. Essa foi a nossa grande contribuição para o trabalho”.
Sobre o lançamento do filme, Anabel comentou: “Já apresentamos o filme de forma on-line na Venezuela, mas nisso há um filtro porque nem todos conseguem pagar para assistir. Porém, a recepção tem sido muito boa. Através do IFDA estamos com um projeto de exibição pública para a população”.
*O CINEVITOR está em Fortaleza e você acompanha a cobertura do 30º Cine Ceará por aqui, pelo canal no YouTube e pelas redes sociais: Twitter, Facebook e Instagram.
Fotos: Rogerio Resende/Chico Gadelha/Divulgação.