Noite de abertura do Festival de Cannes, em maio do ano passado.
Em dezembro do ano passado, o mundo entrou em alerta quando foi identificado na cidade de Wuhan, na China, o primeiro caso de COVID-19, uma doença respiratória aguda causada pelo coronavírus da síndrome respiratória aguda grave 2 (SARS-CoV-2). Depois disso, os casos se espalharam pelo mundo.
Em março, a OMS, Organização Mundial da Saúde, definiu o surto da doença como pandemia. Com isso, diversas medidas foram tomadas para alertar e prevenir a população, como a quarentena. Porém, mesmo com o isolamento social decretado por vários governantes, os números ainda assustam. Desde o início da crise, o novo coronavírus já infectou quase dois milhões de pessoas e causou 127.590 mortes no mundo todo.
Essa pandemia mundial trouxe muitas consequências na rotina das pessoas e afetou diversos setores, entre eles, o cinema. No Brasil, salas foram fechadas e estreias de filmes e festivais adiados. O mesmo tem acontecido no mundo todo. Com tantas incertezas, é impossível saber como ficará o calendário de premiações, festivais e estreias deste ano.
Nesta quarta-feira, 15/04, a Quinzena dos Realizadores, Semana da Crítica e ACID, Association du cinéma indépendant pour sa diffusion, mostras paralelas ao Festival de Cannes, cancelaram suas edições por conta da pandemia. A França, até agora, soma 15.729 mortes e 103.573 casos confirmados de COVID-19. Em comunicado oficial, o presidente francês Emmanuel Macron adiou o fim da quarentena no país para 11 de maio.
Os premiados e o júri da Semana da Crítica do ano passado.
Por conta disso, tais eventos, que aconteceriam a partir do dia 13 de maio, em Cannes, foram cancelados. O comunicado oficial diz: “Após o anúncio do presidente francês, que proibiu qualquer festival de ocorrer até meados de julho, as seções paralelas do Festival de Cannes reconhecem que o adiamento anteriormente considerado para o final de junho e/ou início de julho já não é mais uma opção. Consequentemente, a Quinzena dos Realizadores, a Semana da Crítica e a ACID lamentam anunciar o cancelamento de suas edições de 2020 em Cannes. A crise de saúde que enfrentamos neste momento torna impossível antecipar o curso prático dos acontecimentos. No entanto, a fim de apoiar toda a indústria cinematográfica afetada pelas circunstâncias atuais, cada seção, em consulta com o Festival de Cannes, buscará uma forma melhor de continuar a apoiar os filmes apresentados à sua edição de 2020”.
A incerteza assombra também a 73ª edição do Festival de Cannes, que estava marcada para acontecer entre os dias 12 e 23 de maio. No começo de abril, Thierry Frémaux, diretor geral do evento, declarou, em entrevista à Variety, que descartava a hipótese de uma edição on-line: “Para Cannes, sua alma, sua história, sua eficiência, é um modelo que não funcionaria. O que é um festival digital? Uma competição digital? Deveríamos começar perguntando aos detentores de direitos se eles concordam. Filmes de Wes Anderson ou Paul Verhoeven em um computador? Assistir Top Gun 2 ou Soul, da Pixar, em outro lugar que não nos cinemas? Esses filmes foram adiados para serem exibidos em uma tela grande; por que queremos mostrá-los antes, em um dispositivo digital?”.
E completou: “Os realizadores são movidos pela ideia de exibir seus filmes em uma tela grande e compartilhá-los com outras pessoas em eventos como festivais, não para que seus trabalhos terminem em um iPhone. Se todos os festivais forem cancelados, teremos que pensar em uma maneira de exibir filmes, para evitar desperdiçar um ano, mas não acho que uma alternativa precária e improvisada de Cannes ou Veneza seja a solução”.
Thierry Frémaux na coletiva de imprensa do Festival de Cannes, em 2019.
Depois do pronunciamento de Macron, a organização do festival também enviou um comunicado oficial: “Após a declaração do presidente francês, reconhecemos que o adiamento do 73º Festival de Cannes, inicialmente considerado para o final de junho e o início de julho, não é mais uma opção. É claramente difícil supor que o festival poderia ser realizado este ano em sua forma original. No entanto, desde ontem à noite, iniciamos muitas discussões com profissionais, na França e no exterior. Eles concordam que o Festival de Cannes, um pilar essencial para a indústria cinematográfica, deve explorar todas as contingências que permitam apoiar o ano do cinema, tornando real Cannes 2020, de uma maneira ou de outra”.
E continua: “Quando a crise da saúde, cuja resolução continuar sendo a prioridade de todos, passar, teremos de reiterar e provar a importância do cinema e o papel que seu trabalho, artistas, profissionais, cinemas e seu público desempenham em nossas vidas. É assim que o Festival de Cannes, a Marché du Film e as seções paralelas (Semana da Crítica, Quinzena dos Realizadores e ACID) pretendem contribuir. Estamos comprometidos com isso e gostaríamos de agradecer a todos que estão ao nosso lado, funcionários públicos, membros da indústria e parceiros. Todos sabem que muitas incertezas ainda reinam sobre a situação internacional da saúde. Esperamos poder nos comunicar rapidamente sobre as formas que Cannes 2020 terá”.
Em uma nova entrevista, publicada na manhã desta quarta-feira, 15/04, na Variety, Frémaux também falou sobre uma possível aliança com outros festivais: “Como todos os anos, falo muito com o diretor de Veneza, Alberto Barbera, que está preocupado, obviamente. Desde o início da crise, aumentamos a possibilidade de fazer algo juntos se Cannes for cancelado. Continuamos discutindo. Outros festivais nos convidaram: Locarno, San Sebastián, Deauville. São gestos que nos tocam bastante. E em Lyon, no Lumiere Festival, em outubro, planejamos sediar várias estreias mundiais como parte do programa”.
Bárbara Colen e Udo Kier, atores de Bacurau, no tapete vermelho de Cannes.
Sobre os selecionados para esta possível 73ª edição, Thierry falou: “A denominação Seleção Oficial implica que o festival seja organizado em sua forma inicial. Como dissemos, é difícil imaginar isso a partir de hoje. Podemos imaginar um rótulo ‘Cannes 2020’, que nos permita acompanhar e ajudar a promover os filmes que assistimos e assistiremos até o final de junho. Existem belos filmes chegando do mundo inteiro; precisamos e queremos destacá-los para que possam alcançar uma audiência quando chegar a hora de seus lançamentos neste outono”.
E finalizou: “O cinema e suas indústrias estão ameaçados, teremos que reconstruir, reafirmar sua importância com energia, unidade e solidariedade! O diálogo é um pouco diferente este ano por causa da crise. A incerteza domina todo lugar. Cannes representa para muitos uma espécie de casa comunitária”.
No Brasil, a situação não está diferente. A 25ª edição do É Tudo Verdade – Festival Internacional de Documentários, que aconteceria entre os dias 26 de março e 5 de abril, em São Paulo e no Rio de Janeiro, foi adiada para setembro, porém já disponibilizou alguns filmes na internet. Entre os adiamentos, também estão: Mostra Tiradentes SP, Olhar de Cinema – Festival Internacional de Curitiba, Sesc Melhores Filmes, Festival de Cinema de Vitória, Curta Caicó, entre outros que devem anunciar novas datas em breve.
Fotos: Dominique Charriau/Getty Images Europe.