O longa acompanha vida e a obra de Adoniran Barbosa.
O documentário Adoniran – Meu Nome é João Rubinato, de Pedro Serrano, que estreia nesta quinta-feira, 23/01, acompanha a vida e a obra de Adoniran Barbosa, o maior nome do samba paulista, autor de sucessos como Trem das Onze e Saudosa Maloca.
Por meio do acervo pessoal do artista, imagens de arquivo raras e depoimentos de amigos e familiares, o público poderá descobrir um personagem multifacetado, que retratou a sua São Paulo em canções e personagens de rádio. Tendo a cidade como coadjuvante, o documentário traça um paralelo entre a metrópole de hoje e aquela vivida por Adoniran.
Escutando as letras do cantor, o diretor decidiu fazer o curta-metragem Dá Licença de Contar, que abrirá as sessões do documentário em alguns cinemas, uma viagem onírica pelo universo criativo do sambista. O curta fez muito sucesso, foi premiado no Festival de Gramado, ganhou o Grande Prêmio Canal Brasil de Curtas e acabou sendo o ponto de partida para desenvolver o filme em formato de longa-metragem.
O documentário vai além da figura do grande músico Adoniran Barbosa, é um filme sobre a pessoa Adoniran, o homem por trás do músico e poeta, e não fala apenas sobre seu papel no cenário musical. Intencionalmente, o diretor faz aqui um retrato humano e verdadeiro, que envolve todas as contradições inerentes a uma pessoa.
Para falar mais sobre o filme, conversamos com o diretor Pedro Serrano. Confira:
O CURTA E O LONGA
“Minha primeira abordagem sobre o Adoniran foi ficcional. Ouvindo as narrativas dele, e as músicas sempre muito visuais, tive a ideia de fazer o curta [Dá Licença de Contar], que tem a obra dele, mas com o meu olhar. Quando o curta ganhou os prêmios, recebi uma proposta de transformá-lo em um longa, que até hoje está em captação e desenvolvimento. Com isso, me aprofundei mais na pesquisa. Apesar do curta não ser biográfico, não ser a história dele, claro que eu me debrucei muito no personagem para pesquisar. Por conta do longa, vi que precisava conversar mais com as pessoas que eu já tinha entrevistado. Nesse meio tempo, fui provocado por um jornalista sobre a ideia de fazer um documentário, algo que eu já tinha pensado, mas estava muito relutante porque estava difícil levantar os recursos para o longa de ficção e não sabia como iria viabilizar mais um filme. Logo, comecei a gravar as entrevistas e, com isso, o projeto ganhou corpo e resolvi fazer o documentário, pois percebi que tinha espaço, já que ninguém nunca tinha feito. É uma visão complementar do curta, um entendimento melhor do personagem, para resgatar a figura dele, que já era muito esquecida pelas novas gerações. Achei importante fazer esse resgate cultural”.
O diretor e sua equipe no Festival de Cinema de Gramado, em 2015.
PESQUISA
“Foi uma pesquisa longa e dificultosa. Primeiro por questões financeiras; eu fui fazendo no atropelo e fomos financiando ao longo do processo. Ter sido o filme de abertura do É Tudo Verdade foi o que financiou totalmente e permitiu a realização. Outra dificuldade foi o acesso ao material. Por exemplo, a Cinemateca estava fechada nessa época. Muitos arquivos de filmes que ele fez eu não tinha acesso por lá. Ao mesmo tempo que foi muito trabalho, também foi muito gostoso entrar nos acervos da TV Cultura, Globo, Band, entre outras, e ter acesso a uma infinidade de coisas e começar a fazer o recorte. Todas as emissoras tinham materiais sobre ele, mas também não era uma vastidão impossível de ver tudo. Foi muito legal ter acesso ao acervo de cineastas dos anos 1940 e 1950, como o Jean Manzon, que tinha registros muito bonitos da cidade”.
ARQUIVO PESSOAL
“Foi muito legal ter acesso ao arquivo pessoal dele, que era riquíssimo em imagens fotográficas e documentos inéditos, que permitiram ter uma compreensão maior do personagem. Encontramos também roteiros de rádio da época dele, que são registros que não existem gravados; esses roteiros foram guardados pela mulher dele. Do É Tudo Verdade pra cá, eu consegui coisas inéditas de arquivo, que entraram depois. Tem uma cena dele fazendo seu primeiro personagem de cinema, que é um judeu num filme da Cinédia dos anos 1940 [Pif-Paf, de Luiz de Barros e Adhemar Gonzaga], que eu fui conseguir ano passado só. Um registro raro de um personagem que era do rádio e que ele foi convidado para fazer no cinema”.
RÁDIO
“História das Malocas foi o programa de maior sucesso do Adoniran, onde ele fez o Charutinho que talvez tenha sido a maior glória de sua vida profissional como radialista e ator cômico de rádio, talvez mais até do que sambista. Era uma época de ouro do rádio e todo mundo ouvia”.
O maior nome do samba paulista.
MONTAGEM
“Eu fiz uma parte da montagem, dei uma finalizada em alguns aspectos, mas o montador principal é o Christian Grinstein. Para a seleção de materiais dos filmes, tivemos que fazer um recorte, mas decidimos usar materiais que representavam os diferentes trabalhos e personagens que ele fez; para mostrar esse artista multimídia, mas também trechos em que a gente achava que o personagem que ele tava fazendo tinha algum traço do Adoniran que queríamos retratar. Eram muitas horas de material, tanto de arquivo como de entrevista. O Christian teve um papel fundamental de transformar uma infinidade de horas num recorte acessível pra começarmos a determinar um caminho. A partir disso, fizemos uma escolha de privilegiar o Adoniran, um documentário clássico mesmo. Eu não tinha esse desejo de dar um viés pessoal, como é comum no documentário contemporâneo. A intenção sempre foi um formato tradicional e bem realizado, onde ele se destacava como personagem”.
MELANCOLIA
“Ele foi um cronista social que usou muito do humor, até na vida pessoal para se comunicar, mas que era profundo, melancólico e que tinha uma obra com um aspecto triste e não só engraçado. Ele era uma figura contraditória. Ao longo do filme, sutilmente, mostramos onde a tristeza está escondida. Se você perceber, Saudosa Maloca e Despejo na Favela são tragédias, crônicas sociais. Como um criador de narrativas, que são baseadas num olhar da realidade, mas querendo ou não são ficcionais, era parte dele como criador de inventar e se divertir com isso”.
O FILME
“Minha expectativa é que as pessoas mais velhas se emocionem muito, se identifiquem e se reconheçam. E que no público mais jovem desperte um novo conhecimento, um novo olhar sob a cidade e que tenham acesso à essa grande figura”, finalizou o diretor.
Fotos: Divulgação/Edison Vara, Agência PressPhoto.