Círio de Nazaré em Belém, no Pará: destaque no filme.
Dirigido por Belisario Franca, o documentário Nazinha Olhai Por Nós foi exibido na terça-feira, 08/12, na Mostra Competitiva ibero-americana de longa-metragem da 30ª edição do Cine Ceará.
O cineasta, que não conseguiu participar do evento presencialmente, mandou um vídeo de apresentação, que passou na telona do Cineteatro São Luiz: “É uma alegria estar no Cine Ceará, que marcou minha vida. Foi aqui que eu estreei o filme Menino 23, o primeiro da Trilogia do Silenciamento; a seguir veio o Soldados do Araguaia e agora Nazinha Olhai Por Nós. É sempre um prazer participar do Cine Ceará, um evento extremamente bem organizado e com uma curadoria que sempre nos reserva algumas pérolas”.
O filme se passa às vésperas do Círio de Nazaré, uma das maiores festividades católicas do mundo, e apresenta quatro presidiários que aguardam por um indulto especialmente concedido para aqueles que desejam celebrar Nossa Senhora de Nazaré, padroeira da cidade de Belém, no Pará.
O Brasil é a terceira maior população carcerária no mundo.
No dia seguinte à exibição, Belisario participou de um debate virtual, que foi mediado pela crítica Neusa Barbosa: “Essa última década eu fiquei muito interessado nessas questões ligadas ao silenciamento; a negação que nós, brasileiros, exercemos em muitos aspectos e muitas áreas. Isso sempre me chamou muita atenção. Em 2013, eu viajei para Belém, no Pará, e estive lá durante o Círio. Aquilo me deixou extremamente impactado pela demonstração de fé. Me impactou muito mais e me deixou comovido ver as pessoas muito simples nesses eventos e nos cortejos durante os dias que duram o Círio de Nazaré. Com isso, começamos uma especulação sobre que tipo de olhar poderia nos trazer lá. Chegamos à questão da saída temporária para presos, que possuem um determinado processo de bom comportamento, que permite que eles passem essa data específica com a família. Chegamos nesse caminho e começou o início de uma investigação para saber se tinha um filme ali”, disse o diretor.
Sobre o início e a ideia do projeto, Belisario comentou: “Estávamos interessados na questão de como a fé atravessava a vida dessas pessoas. A autorização para entrar naquele espaço aconteceu e começamos a falar com os presos. Claro que foi uma etapa mais demorada porque passamos antes por uma seleção [de personagens]; quem topava e quais histórias poderiam ser diferentes para que essa diversidade ficasse interessante. E aí chegamos nessas quatro pessoas que seguimos durante três anos e meio. Tudo teve que ser feito com muito cuidado e eles compreenderam que estávamos ali apenas observando essa trajetória”.
Manifestação religiosa em Belém, no Pará.
O diretor também comentou a abordagem utilizada no documentário: “O filme permite olhar sem glamourizar a violência dentro da prisão. Não precisa mostrar uma guerra de facção para mostra violência. Nesse filme, olhamos para as pessoas, demos voz a elas, acompanhamos suas histórias e entendemos que são pessoas como nós; com famílias, sonhos, irmãos, filhos, que se arrependem, que querem reconstruir suas vidas, que não conseguem se redimir, que falham de novo. É humano. Vemos quatro histórias com suas dificuldades, sonhos e decepções”.
Sobre a escolha dos personagens, comentou: “Selecionamos alguns personagens e começamos a gravar. Logo no início tínhamos um personagem que cuidava dos porcos, mas ele fugiu, desapareceu. Fizemos alguns outros acompanhamentos, mas, aos poucos, fomos gostando mais dos quatro que ficaram no filme. Um dos critérios de seleção era a diversidade e também a história e abordagem”.
Segundo dados informados no filme, o Brasil é a terceira maior população carcerária no mundo: “A nossa abordagem era deixar as histórias acontecerem na nossa frente e foi o que a gente pretendeu mostrar. Mas o dado, para bom entender, tá claro; qual é a questão de gênero, raça e classista. Claramente, com mínimo de recurso, você já tem outro tratamento diante da justiça, outras possibilidades. Notamos que dentro de um cárcere há pessoas oriundas de camadas menos favorecidas da sociedade brasileira. E isso também forma o quanto a justiça e o sistema penitenciário não estão preparados para lidar de uma maneira eficiente com essas pessoas, em qualquer aspecto. O Brasil tem mais de 800 mil pessoas em suas prisões com histórias muitas vezes parecidas, melhores ou piores que a gente conta”, finalizou.
O CINEVITOR está em Fortaleza e você acompanha a cobertura do 30º Cine Ceará por aqui, pelo canal no YouTube e pelas redes sociais: Twitter, Facebook e Instagram.
Fotos: Divulgação/Giros Filmes.