Maíra Azevedo no longa baiano Até o Fim, de Ary Rosa e Glenda Nicácio.
Uma das salas de cinema mais especiais do calendário de festivais brasileiro, a Mostra de Cinema de Gostoso exibe anualmente filmes a céu aberto na paradisíaca Praia do Maceió, em São Miguel do Gostoso, no Rio Grande do Norte.
Este ano, a sétima edição será realizada entre os dias 10 e 14 de março, porém em formato on-line, sob as condições excepcionais exigidas pela pandemia de Covid-19. Se por um lado não será possível contar com a experiência única das exibições ao ar livre, a edição virtual apresentará uma vasta programação em homenagem ao cinema brasileiro. Serão exibidos 34 filmes que poderão ser acessados através do site do evento (clique aqui) e estarão hospedados na plataforma de streaming Innsaei.TV (clique aqui). Toda a programação, que será gratuita, ficará disponível durante os cinco dias da Mostra.
Com direção geral e curadoria de Eugenio Puppo e Matheus Sundfeld, o eixo temático proposto para esta edição irá centrar-se no debate a respeito da memória, em suas diversas facetas, enveredando por temáticas que abordem e valorizem a memória audiovisual brasileira. Esse eixo leva em consideração o estado de crise que se encontram os órgãos de preservação da memória audiovisual brasileira. A Cinemateca Brasileira, maior acervo audiovisual da América do Sul, por exemplo, zela por mais de 250 mil rolos de filmes e, atualmente, passa por uma das maiores dificuldades de sua história.
Além da exibição de filmes brasileiros contemporâneos, realização de masterclasses, laboratório de projetos e vídeos pré-gravados com cineastas, a programação contará com filmes raros de nossa cinematografia, que foram digitalizados recentemente e que são inéditos em plataformas de streaming.
Como de costume, a programação conta com a Mostra Nacional, com seis longas e dez curtas-metragens brasileiros produzidos entre 2020 e 2021. Cada filme será acompanhado de um vídeo com perguntas e respostas com o(a) respectivo(a) diretor(a), a respeito do processo de criação e produção dos filmes e das temáticas abordadas.
Outro destaque deste ano é a Mostra Acervo, na qual cada um(a) dos(as) seis diretores(as) dos longas-metragens da Mostra Nacional indicou uma obra brasileira, que inspirou sua formação enquanto realizador(a). Os(as) diretores(as) gravaram um vídeo falando sobre o motivo da escolha, que será veiculado antes do início de cada filme da Mostra Acervo. Além das obras escolhidas pelos(as) realizadores(as), será exibido Cinemateca Brasileira, documentário dirigido pelo cineasta paulista Ozualdo Candeias, que acompanha o início da transferência da Cinemateca Brasileira para a sede atual.
Na Sessão Xanadu serão exibidos dois longas-metragens produzidos pela Xanadu Produções Cinematográficas, filmes raros da história do cinema brasileiro, inéditos em plataformas de streaming. A Xanadu foi fundada em um parceria entre João Callegaro, Carlos Reichenbach e Antonio Lima. Ainda muito jovens e iniciando suas carreiras, os três cinéfilos decidiram produzir um filme em episódios de teor altamente comercial, de modo que o retorno de bilheteria pudesse viabilizar seus filmes seguintes. Nasce então As Libertinas, obra de baixíssimo custo que explorava uma temática capaz de atingir diretamente o grande público. O filme foi distribuído para todo o Brasil pela Cinematográfica Franco Brasileira, de propriedade dos Irmãos Valancy, apresentados aos sócios da Xanadu pelo produtor Renato Grecchi. Foi um enorme sucesso popular, permanecendo 50 semanas em cartaz em São Paulo, nos Cine Coral e Normandie.
Após o lançamento de As Libertinas, Reichenbach inicia uma aproximação com a região da Rua do Triumpho, no centro de São Paulo, onde começava a se aglutinar um pessoal interessado em cinema que depois originaria o polo produtor conhecido como Boca do Lixo. Ainda na euforia do início da Boca, o longa-metragem Audácia, também produzido pela Xanadu, mas sem a presença de João Callegaro, dá continuidade com o projeto anterior. Este, porém, não obteve o mesmo sucesso que seu antecessor.
Outra novidade desta edição é a parceria com a CineLimite, uma plataforma on-line dedicada a fornecer acesso à história do cinema brasileiro nos Estados Unidos. A Sessão CineLimite reunirá três filmes que marcaram o turbulento ano de 1968, que terminou com a promulgação do Ato Institucional nº 5: A Vida Provisória, O Bravo Guerreiro e Desesperato. Essas três obras, à sombra de Terra em Transe, relacionadas a partir de uma ideia do cineasta Vladimir Carvalho (que apresenta os filmes nesta mostra), sofreram censura devido a suas estéticas revolucionárias e suas narrativas políticas explicitamente críticas. Hoje, esses filmes nos lembram o papel importante que o cinema e as artes podem desempenhar em momentos de turbulência social ou política.
Além disso, a programação também exibirá o filme Boi de Prata, de Carlos Augusto da Costa Ribeiro Júnior, realizado em 1981 e um dos primeiros longas-metragens produzidos no estado do Rio Grande do Norte. Boi de Prata é ambientado na zona rural de Caicó, onde Eloy Dantas, filho de família latifundiária da cidade, ao retornar de uma temporada de estudos na Europa, quer implantar uma empresa de mineração.
Unindo forma e conteúdo, o diretor Ribeiro Júnior conseguiu realizar um longa-metragem no pequeno Estado no final da década de 1970, usando atores, figurantes e técnicos nordestinos, contribuindo sobremaneira para a formação e o aprimoramento de profissionais da região Nordeste, que iriam seguir carreira no cinema do Brasil e do exterior por muitos anos, como Walter Carvalho, que fez sua estreia como diretor de fotografia em Boi de Prata, do maquiador Amaro Bezerra, da montadora Jussara Queiroz, entre outros.
Boi de Prata foi montado por Severino Dadá e Jussara Queiroz, com trilha e efeitos sonoros realizados por Mirabô Dantas, em 1980. No ano seguinte, foi exibido para a população do Rio Grande do Norte em poucas sessões, mas nunca teve uma temporada comercial, como estava previsto no contrato de distribuição da Embrafilme, por razões até hoje não esclarecidas. A produtora de audiovisual Flávia Assaf (mestra em História pela UFRN) foi a responsável pela localização e digitalização da única cópia em película de que se tem conhecimento, cedida pela Cinemateca do MAM-RIO.
E mais: para este ano, foram selecionados cinco curtas-metragens dentre os dezenove filmes já realizados pelo Coletivo Nós do Audiovisual, formado por jovens de São Miguel do Gostoso que participam de cursos de formação oferecidos desde 2013 pela Mostra de Cinema de Gostoso. Os filmes do Coletivo já foram premiados em diversos festivais de cinema, como Curta Kinoforum, Los Angeles Brazilian Film Festival e Olhar de Cinema, além de terem sido licenciados para canais de TV como o Canal Brasil e a TV Cultura.
Conheça os filmes selecionados para a 7ª Mostra de Cinema de Gostoso:
MOSTRA NACIONAL | LONGA-METRAGEM
Açucena, de Isaac Donato (BA)
Antena da Raça, de Paloma Rocha e Luis Abramo (SP)
Até o Fim, de Ary Rosa e Glenda Nicácio (BA)
Cavalo, de Rafhael Barbosa e Werner Salles (AL)
Cidade Correria, de Juliana Vicente (RJ)
Nũhũ yãg mũ yõg hãm: essa terra é nossa!, de Isael Maxakali, Sueli Maxakali, Carolina Canguçu e Roberto Romero (MG)
MOSTRA NACIONAL | CURTA-METRAGEM
4 Bilhões de Infinitos, de Marco Antônio Pereira (MG)
A Morte Branca do Feiticeiro Negro, de Rodrigo Ribeiro (SC)
Casa com Parede, de Dênia Cruz (RN)
De Vez em Quando eu Ardo, de Carlos Segundo (RN)
Lora, de Mari Moraga (SP)
Mestre Marciano, de Igor Ribeiro e Rubens dos Anjos (RN)
Ser Feliz no Vão, de Lucas H. Rossi dos Santos (RJ)
Trindade, de Rodrigo Meireles (MG)
Urubá, de Rodrigo Sena (RN)
Vai Melhorar, de Pedro Fiuza (RN)
MOSTRA ACERVO
Bicho de Sete Cabeças, de Laís Bodanzky (2000, escolhido por Juliana Vicente)
Cinemateca Brasileira, de Ozualdo Candeias (1993)
Claro, de Glauber Rocha (1975, escolhido por Paloma Rocha)
Copacabana Mon Amour, de Rogério Sganzerla (1970, escolhido por Ary Rosa e Glenda Nicácio)
Martírio, de Vincent Carelli (2016, escolhido por Isael Maxakali, Sueli Maxakali, Carolina Canguçu e Roberto Romero)
São Bernardo, de Leon Hirszman (1972, escolhido por Rafhael Barbosa e Werner Salles)
Vidas Secas, de Nelson Pereira dos Santos (1963, escolhido Isaac Donato)
SESSÃO XANADU
As Libertinas – Três História de Amor e Sexo (Episódio 1 – Alice: dir. Carlos Reichenbach Filho; Episódio 2 – Angélica: dir. Antonio Lima; Episódio 3 – Ana: dir. João Callegaro) (1968)
Audácia, a Fúria dos Desejos (Prólogo, dir. Carlos Oscar Reichenbach Filho; A Baladíssima dos Trópicos x Os Picaretas, dir: Carlos Oscar Reichenbach Filho; Amor – 69, dir. Antonio Lima) (1969)
SESSÃO CINELIMITE
A Vida Provisória, de Maurício Gomes Leite (1968)
O Bravo Guerreiro, de Gustavo Dahl (1968)
Desesperato, de Sérgio Bernardes Filho (1968)
MOSTRA COLETIVO NÓS DO AUDIOVISUAL
Autômato do Tempo, de Rubens dos Anjos (2018)
Filho de Peixe, de Igor Ribeiro (2018)
O Contador de Causos, de Coletivo Nós do Audiovisual (2013)
O Menino e a Caixa Misteriosa, de Leonardo Maximiano e Andrieli Torres (2015)
O Pai da Noite, de Hugo Ério e Artísio Silva (2015)
A programação da Mostra de Cinema de Gostoso contará também com três masterclasses em formato de vídeo pré-gravado com renomados(as) professores(as) de cinema. Cada masterclass será dividida em oito vídeos com cerca de dez minutos de duração, cada um com um subtema específico. Estes vídeos serão disponibilizados na plataforma de streaming onde serão exibidos os filmes da Mostra e em seguida ficarão disponíveis no canal do YouTube.
Masterclass 1 – Ines Aisengart Menezes
Introdução sobre preservação de patrimônio audiovisual, abarcando os conceitos, as práticas, a história e os desafios da área. Ainda, noções de políticas para a produção do audiovisual e a sua preservação, de gestão do patrimônio cultural em instituições, do arquivamento de dados pessoais e das especificidades da preservação de registros audiovisuais em película, vídeo e digital.
Masterclass 2 – Ismail Xavier
Masterclass com o autor do livro Sétima arte, um culto moderno: o idealismo estético e o cinema, considerado um dos mais importantes teóricos e professores de crítica e história do cinema brasileiro. Um clássico da historiografia do cinema mundial no Brasil, o livro aborda a afirmação do cinema como forma de arte e o porquê de sua acolhida pelos modernos como uma linguagem de expressão artística fundamentalmente moderna.
Masterclass 3 – Thiago de André
A masterclass irá traçar um panorama da evolução e história das principais tecnologias de filmagem e exibição cinematográfica, desde o início do cinema até a recente transição para a exibição digital, com ênfase nas questões econômicas que permearam essa evolução.
Neste ano também serão realizados dois cursos de formação através de videoconferência para o Coletivo Nós do Audiovisual, dando continuidade ao trabalho de formação técnica e audiovisual que a Mostra de Cinema de Gostoso proporciona à jovens da cidade de São Miguel do Gostoso e arredores. Serão abertas inscrições limitadas para ouvintes, a serem anunciadas em breve no site e redes sociais da Mostra.
Curso 1 – Criação Audiovisual em Coletivos de Cinema
A partir das experiências do cineasta Pedro Diógenes, que integrou o coletivo de cinema Alumbramento, de Fortaleza, entre 2010 e 2016, e de André Santos e Babi Baracho, integrantes do Coletivo Caboré, de Natal, será criado um espaço de discussão junto ao Coletivo Nós do Audiovisual de São Miguel do Gostoso, com o objetivo de ampliar o olhar e inspirar os jovens de Gostoso para experiências diversas de realização de cinema.
Curso 2 – Realização de um Festival de Cinema
O curso apresenta um estudo de caso do Festival de Cinema de Vitória, e é dividido em três blocos: produção, produção executiva e mobilização. A partir do Festival de Cinema de Vitória, que atualmente encontra-se na 27ª edição, compreende-se o desenvolvimento e aplicação dos processos que envolvem a pré-produção, produção e pós-produção de um projeto. Com duração de duas horas serão tratados temas como captação de recursos, formatação financeira, curadoria, programação e lançamento. Com metodologia de apresentação do estudo de caso e debate, os três professores irão apresentar as etapas de realização de um Festival de Cinema, a partir da experiência no Espírito Santo.
O curso será ministrado por Fran de Oliveira, produtor, realizador e editor no Festival de Cinema de Vitória há mais de 20 anos; Guilherme Rebêlo, produtor cultural; e Larissa Delbone, advogada e produtora executiva do Festival de Cinema de Vitória e diretora do Instituto Brasil de Cultura e Arte.
Além disso, o Gostoso Lab, realizado em parceria com o BrLab, completa a programação com um espaço voltado à reflexão e análise de projetos para o desenvolvimento e intercâmbio criativo de ideias e configura-se como um espaço de discussão coletiva, em torno do argumento, da narrativa, da realização, da produção e da distribuição de um longa-metragem. As atividades de consultoria do Gostoso Lab ocorrerão durante a realização da 7ª Mostra de Cinema de Gostoso, em formato on-line. Saiba mais aqui.
Durante o período de realização da sétima edição da Mostra, será oferecido a todo o público um desconto nos livros de cinema na Loja Virtual da Edições SESC. Em breve serão anunciados maiores detalhes no site e redes sociais da Mostra.
A Mostra de Cinema de Gostoso é uma realização da Heco Produções, CDHEC – Coletivo de Direitos Humanos, Ecologia, Cultura e Cidadania e Guajirú Produções; conta com patrocínio da Lei Aldir Blanc Rio Grande do Norte, Fundação José Augusto, Governo do Estado do Rio Grande do Norte, Secretaria Especial da Cultura, Ministério da Cidadania e Governo Federal. Apoio: Sebrae RN, BrLab, Edições SESC e Prefeitura do Município de São Miguel do Gostoso.
Foto: Divulgação.