Neste sábado, 14/08, aconteceu a segunda noite de exibições das mostras competitivas da 49ª edição do Festival de Cinema de Gramado, que segue até 21 de agosto pela internet e também pela TV. A programação contou com o curta-metragem paulista Entre Nós e o Mundo, de Fabio Rodrigo; e o paraibano Animais na Pista, de Otto Cabral. Além disso, o longa gaúcho A Colmeia também foi exibido.
O segundo título em competição entre os longas-metragens brasileiros foi Homem Onça, de Vinícius Reis. Situado no final dos anos de 1990, o filme investiga como a história do país reflete e interfere na vida pessoal de Pedro, interpretado por Chico Diaz, que tem uma vida estável de classe média com sua mulher Sônia, papel de Silvia Buarque, que procura um emprego, e a filha adolescente, Rosa, vivida por Valentina Herszage.
Pedro trabalha numa das maiores estatais do país, a fictícia Gás do Brasil. Tudo parece caminhar muito bem: um projeto de sustentabilidade desenvolvido por ele ganha um prêmio internacional, o que parece garantir o emprego de sua equipe, apesar da crise que a empresa começa a enfrentar. Seu corpo parece reagir a isso e manchas estranhas aparecem em sua mão. Porém, mesmo o sucesso do trabalho de seu time não garante a segurança do emprego de todos e Pedro é forçado a tomar atitudes drásticas. Homem Onça acompanha esse processo através de duas linhas narrativas que se entrecortam e convergem: num futuro não longínquo, o protagonista não vive mais no Rio de Janeiro, mas em uma pequena cidade, com uma nova companheira, Lola, interpretada por Bianca Byington.
O roteiro, assinado por Reis, em colaboração com Flavia Castro e Fellipe Barbosa, examina como o longo processo de privatização de estatais, no final dos anos de 1990, ressoa na vida dos empregados daquelas empresas. A perda da estabilidade e segurança emocional e econômica de Pedro é um reflexo da situação do Brasil. Assim, ao falar do passado, Homem Onça é um filme que também medita sobre o presente do país, sempre ameaçado de passar por uma nova onda de privatizações.
Rodado no Rio de Janeiro, Petrópolis e Teresópolis, entre dezembro de 2017 e janeiro de 2018, o longa, que chega aos cinemas no dia 26 de agosto, com distribuição da Pandora Filmes, teve sua estreia mundial em fevereiro passado no Arthouse Asia Film Festival. O filme ainda conta com Emílio de Mello, Guti Fraga, Dani Ornellas, Tom Karabachian e Álamo Facó no elenco.
No dia seguinte à exibição, alguns integrantes da equipe participaram de um debate, que foi mediado pelo jornalista Roger Lerina. Marcaram presença: o diretor Vinícius Reis; a produtora Gisela B. Camara; e os atores Chico Diaz, Silvia Buarque e Emílio de Mello.
Debate virtual: equipe conversa com Roger Lerina.
Questionado sobre a ideia do longa, o diretor Vinícius Reis falou sobre o processo inicial de criação: “A ideia surgiu em 1997 durante a privatização da [mineradora] Vale [do Rio Doce]. Meu pai trabalhava na Vale, que entrou em um processo de reestruturação muito violento. Ele contava o que estava acontecendo e eu anotava esses relatos. Logo, percebi que nisso tudo tinha um filme poderoso para ser feito. Só fui escrever esse roteiro treze anos depois. Até fiz um argumento, em 2008, na época em que filmávamos Praça Saens Peña, mas só sentei para escrever em junho de 2010. Então, a ideia nasceu de um ponto de vista muito íntimo e familiar. Depois eu expandi a pesquisa e fui estudar a questão”.
O protagonista Chico Diaz, vencedor do kikito de melhor ator, em 1996, por Corisco & Dadá, falou sobre seu trabalho em Homem Onça: “Navegar nas águas do Vinícius me traz uma certa tranquilidade porque ele me induz a um universo muito estimulante e humano. A curva do meu personagem [Pedro] é muito inteligente e interessante. Acho que nós, intérpretes, não somos responsáveis pelo nosso trabalho. Acho que existe um espectro forte de variáveis que nos obriga a preencher essa partitura. Existe um encantamento fundamental. Eu não sou o responsável por administrar isso, eu sou uma consequência desse processo proposto. Aqueles personagens é que representam um monte de gente. Esse filme nos dá uma oportunidade ímpar de representar nosso semelhantes brasileiros que estão nessa luta e nessa realidade há tanto tempo”.
E completou: “Esse filme é muito importante em um momento muito oportuno. Ele toca em coisas muito importantes. Parece que o tempo se ajeitou para nos receber em boa hora, pois o filme está muito contemporâneo e pode resgatar uma discussão sobre soberania, autoestima e nossas raízes”.
A atriz Silvia Buarque, que interpreta a personagem Sônia, mulher do protagonista, falou sobre o entrosamento com a direção e elenco: “O Vinícius me convidou para fazer esse filme em 2010. Foram muitos anos de intimidade com as várias versões do roteiro. Foram muitas leituras e várias conversas. O Vinícius disse que pensou em mim quando escreveu a Sônia, então acredito que ele pegou muito emprestado do meu jeito. Havia muita intimidade no set. Sou amiga do Vinícius há muitos anos, já que estreamos juntos no teatro; fui casada com o Chico Diaz por dezoito anos e estávamos juntos na época das filmagens. Eu fui muito na trilha do Chico, pois a Sônia vai adoecendo, embora tenha o pé no chão; ela vai se angustiando junto com o sofrimento do Pedro. O Chico foi fundamental para mim e o Vinícius dirigiu esse elenco magistralmente”.
Filme tem como ponto de partida acontecimentos da história do Brasil nos anos 1990.
A produtora Gisela B. Camara falou sobre a realização do longa: “O maior desafio de produção foi realizá-lo, de certa forma. Entre o primeiro tratamento do roteiro até as filmagens se passaram sete anos. É um tempo considerável, mas usamos isso a favor porque o roteiro foi amadurecendo ao longo dos anos. Os filmes possuem vida própria e vão acontecendo na hora certa. Foi um processo muito prazeroso e todos estavam muito embutidos em um mesmo objetivo. O Vinícius tem uma capacidade de maestria que é muito especial. Ele dá muita liberdade para a equipe trabalhar. O filme é muito dele e muito de todo mundo ao mesmo tempo. Foi um processo muito harmônico de trabalho”.
O ator Emílio de Mello também comentou sobre o filme: “Eu me senti em uma ação entre amigos, realizando uma ideia que partiu do Vinícius, mas que foi desenvolvida e criada por todos nós. Isso é muito importante porque nos dá uma relação familiar com o filme. Um produto familiar, que fala sobre a família brasileira, amizade e afeto. Foi um prazer enorme fazer parte desse projeto. É um filme potente e importante para esse momento, que conta um pouco da história dos brasileiros. Para mim, isso é de uma importância fundamental”.
Ao final do bate-papo, Chico Diaz comentou: “Nessa época do Brasil, poderíamos também discutir em um próximo debate, aproveitando esse filme, o nosso momento histórico, o que está acontecendo no país e a ferramenta que o cinema é na capacidade de reflexão sobre o que está acontecendo com as nossas pretensas privatizações. Ou seja, como o cinema se insere na discussão de uma realidade sequelada e traumatizada como a que estamos vivendo. É importante que o debate se amplie para como o cinema se torna ferramenta de transformação da nossa história. O cinema está potente, argumentado e fundamentado. Estamos em uma época em que precisamos de argumentos culturais como motivos de transformação e conscientização; que esses debates se ampliem também sobre o que, para quem e porque estamos falando. O grande valor de Homem Onça é estar inserido em um momento histórico para discutir um grande debate fora do filme, isto é, na realidade”.
As exibições dos longas-metragens brasileiros acontecem entre 13 e 19 de agosto, a partir das 21h30, na grade linear do Canal Brasil, para toda a base de assinantes, e nos serviços de streaming Canais Globo e Globoplay + Canais ao Vivo somente durante o horário da exibição na TV.
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Fotos: Divulgação/Pandora Filmes e Ag. Pressphoto (Gramado).