Cinema Mutirão: Ary Rosa e Glenda Nicácio serão homenageados na 26ª Mostra de Cinema de Tiradentes

por: Cinevitor
Os homenageados da 26ª edição

A 26ª edição da Mostra de Cinema de Tiradentes, que acontecerá entre os dias 20 e 28 de janeiro de 2023, inaugura o calendário audiovisual brasileiro apresentando ao público a diversidade da produção cinematográfica brasileira em mais de 100 filmes em pré-estreias e mostras temáticas.

A temática adotada pela curadoria responde aos últimos três anos, quando a pandemia de Covid-19 e os desarranjos anticulturais do governo federal afetaram drasticamente a economia criativa no país. Mas a Mostra traz a questão à tona não pelo viés do lamento, e sim da ideia de Cinema Mutirão, que caracterizou o período e manteve continuidade de produção, ainda que frágil, porém sempre constante.

O conceito de Cinema Mutirão tem por objetivo chamar para o debate todos aqueles e aquelas que queiram colaborar para construir uma base sólida para a construção e reconstrução do audiovisual brasileiro. O cenário dramático dos últimos cinco a seis anos não impediu a resiliência de quem buscou alternativas à sobrevivência e procurou não abrir mão das suas conquistas anteriores, ainda que insuficientes ou ameaçadas.

“Muitos grupos de lugares diferentes e de campos artísticos distintos (dança, música, teatro) se uniram para fazer audiovisual com os recursos dos editais emergenciais da Lei Aldir Blanc, que, no seu caráter abrangente e flexível, trouxe algumas inovações nas obras, na forma de mobilização do setor e na elaboração de uma política pública em contexto adverso”, destaca Francis Vogner dos Reis, coordenador curatorial da Mostra de Tiradentes e que trabalhou com a colaboração de Camila Vieira e Lila Foster.

O mutirão artístico se fez valer intensamente na quantidade de criadores de áreas diversas da cultura que, impossibilitados de suas atividades por conta especialmente da pandemia, encontraram no audiovisual, que se manteve forte em termos de consumo durante o isolamento, algumas novas formas de expressão. Naturalmente as coletividades, mesmo às distâncias, foram fortalecidas, produzindo maneiras renovadas de fazer cinema. A dinâmica inventiva e estratégica redimensionou para os próprios profissionais familiarizados com o audiovisual algumas práticas de diálogo político e criativo mais horizontalizadas.

“Ao falarmos de ‘cinema mutirão’, não pensamos só no esforço coletivo na realização de filmes com seus novos materiais, modos e métodos, mas no esforço coletivo de construção cultural com outras formas de sustentação, apropriando-nos também do legado das experiências coletivas de organização e participação social e de políticas públicas de épocas anteriores”, explica Francis. “Para além da crise dos últimos anos, também é chegado o momento de avaliarmos as políticas públicas que foram responsáveis por um rico ciclo do cinema, mas que chegaram ao seu limite”.

Algumas das questões a serem debatidas durante a 26ª edição da Mostra Tiradentes serão: como pensar em formas mais sustentáveis para a economia do audiovisual? Em qual campo o cinema brasileiro precisa lutar para que o aumento da produção nacional de filmes seja acompanhada da sua real inserção no mercado e no imaginário da população brasileira? “Num mutirão, construir também é ocupar”, resume o curador. 

Cena do filme Até o Fim, de Ary Rosa e Glenda Nicácio: premiado em Tiradentes em 2020

Se é para representar a temática desse ano de Cinema Mutirão, a dupla Glenda Nicácio e Ary Rosa, escolhidos para receberem a homenagem de 2023 na Mostra de Cinema de Tiradentes, é essencial. Mineiros de nascimento (ela é de Poços de Caldas; ele, de Pouso Alegre), radicaram-se em Cachoeira, na Bahia, em 2010, ao irem estudar cinema no então recente curso da UFRB, Universidade Federal do Recôncavo Baiano. Fundaram a produtora Rosza Filmes e, desde então, fazem alguns dos títulos mais celebrados do cinema brasileiro contemporâneo, construindo uma vasta comunidade local de realizadores, inclusive em projetos de educação audiovisual.

Prolíficos, Glenda e Ary assinaram a direção conjunta de cinco longas-metragens em cinco anos: Café com Canela (2017), Ilha (2018), Até o Fim (2020), Voltei! (2021), Mugunzá (2022) e Na Rédea Curta (2022). Glenda ainda dirigiu um projeto solo, o média-metragem Eu não Ando Só, em 2021.

Para o coordenador curatorial da Mostra de Tiradentes, Francis Vogner dos Reis, “a singularidade do trabalho de Ary Rosa e Glenda Nicácio é um esforço coletivo a somar as pequenas diferenças em um território comum que é a região de efusiva cultura negra nas cidades de Cachoeira, São Félix e Muritiba. Se o território é determinante, o cinema produzido responde a um cotidiano e a um imaginário compartilhados, de caráter comunitário, tanto no ecossistema da equipe quanto na relação mais ampla com a cidade”.

A homenagem a Ary Rosa e Glenda Nicácio é também estendida à Rosza Filmes e resulta dos bons frutos de uma política de descentralização de recursos ao audiovisual promovida na década de 2000 e parte da década de 2010. Aproveitando-se do bom momento, a dupla de realizadores se insere ainda num cenário de emergência de universidades e da invenção de modos de produção e trabalho pensados e praticados numa hierarquia mais fluida e menos fixada na figura de diretores-autores. A valorização da cocriação se torna fundamental no processo, algo também presente em diversos filmes, coletivos e cineastas de regiões e quebradas que apontam a superação do industrialismo decadente e impessoal que até então dominava o audiovisual no país. 

“Celebrar o trabalho da Rosza Filmes pode nos orientar para a reflexão e a prática de um audiovisual do século 21 tão grande, diverso, complexo e fascinante quanto o país pode ser nas suas identidade e diferenças. E as obras assinadas por Ary e Glenda são dos nossos mais poderosos faróis”, exalta Francis.

Maior evento do cinema brasileiro contemporâneo em formação, reflexão, exibição e difusão realizado no país e chega em sua 26ª edição em formato on-line e presencial. Apresenta, exibe e debate, em edições anuais, o que há de mais inovador e promissor na produção audiovisual brasileira, em pré-estreias mundiais e nacionais; uma trajetória rica e abrangente que ocupa lugar de destaque no centro da história do audiovisual e no circuito de festivais realizados no Brasil.

O evento exibe mais de 100 filmes brasileiros em pré-estreias nacionais e mostras temáticas, presta homenagem a personalidades do audiovisual, promove seminário, debates, a série Encontro com os filmes, oficinas, Mostrinha de Cinema e atrações artísticas. Toda a programação é gratuita.

Fotos: Anastácia Flora e Divulgação.

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