Começam as filmagens de As Vitrines, novo longa-metragem de Flavia Castro

por: Cinevitor
A atriz Helena O’donnel e a diretora nos bastidores

A diretora e roteirista Flavia Castro, do premiado Deslembro, iniciou, em São Paulo, as filmagens de As Vitrines, seu terceiro longa-metragem, que é inspirado em um período de sua infância quando a família morava no Chile e se refugiou na Embaixada da Argentina em Santiago, durante a ditadura de Pinochet.

Com produção de Marcello Ludwig Maia, Vicente Amorim e Ilda Santiago, o elenco conta com as crianças Helena O’donnel e Gael Nordio como protagonistas e também com Leticia Colin, Sara Antunes, Fabio Herford, Marcos de Andrade, Marina Provenzzano, Roberto Birindelli, Julia Konrad e Gabriel Godoy.

As Vitrines se passa dentro de uma embaixada durante uma ditadura em um universo onde não existe passado, nem futuro, onde duas crianças dividem segredos e uma percepção muito particular do que os rodeia. Delimitado, o espaço representa um país dentro de outro, onde acaba de ocorrer um golpe militar.

No Chile, em setembro de 1973, muitos militantes de esquerda latino-americanos se refugiaram na Embaixada da Argentina à espera de um visto para poder ir embora. Em As Vitrines, a infância é o centro de tudo: filhos de brasileiros exilados no Chile, Pedro tem doze anos, Ana, onze. Ana olha para o mundo através dos cacos de vidro colorido que recolhe pelo jardim para construir suas pequenas instalações. Pedro sofre com a ausência da mãe, enquanto observa os adultos que revelam suas idiossincrasias na situação particular em que se encontram. No espaço circunscrito, eles testemunham o cotidiano dos adultos ritmado pelas reuniões políticas, brigas, jogos de xadrez e namoros.

A sinopse diz: a embaixada da Argentina é um dos poucos lugares seguros em Santiago depois do golpe de 1973 e acolhe centenas de refugiados. É lá que Pedro e Ana experimentam uma rara liberdade e a emoção do primeiro amor. Mas Pedro vive a angústia da mãe, que ainda está lá fora correndo perigo e Ana lida com a sua ansiedade construindo pequenas vitrines pelo jardim. Aos poucos, a ruptura que o golpe trouxe para suas infâncias se revelará.

Equipe do filme nos bastidores

“Golpe é uma das palavras mais antigas da minha vida. Nunca tive que perguntar o seu significado; eu já sabia. A palavra sempre entrava nas discussões políticas que se estendiam noite adentro lá em casa. Muitas vezes, eu adormecia embalada pelo ritmo de palavras como trotskismo, luta de classes, resistência. Eram palavras íntimas, ainda que eu não entendesse o seu significado. Mas ‘golpe’, por ter afetado nossa vida de uma forma drástica e definitiva, eu já sabia o que queria dizer (ou achava que sabia). A história das crianças que acompanharam seus pais na luta contra a ditadura é um exílio invisível sobre o qual ainda foram colocadas poucas imagens ou pouco se falou”, disse a diretora.

E completou: “O golpe de Pinochet foi de uma truculência inesperada. Minha família e eu nos refugiamos na Embaixada da Argentina em Santiago, onde ficamos confinados durante três meses. Chegaram a ser mais de setecentas pessoas numa casa, a comida era contada, e, às vezes, os ânimos se exaltavam. No entanto, quando penso na minha infância, apesar dos tiros, do risco, do medo, lembro da Embaixada como um dos momentos mais alegres da minha vida”.

“Ana e Pedro vivem numa vitrine onde o destino, o exército daquele país, os políticos, a política, seus pais e nós (que somos eles) os observamos. E onde eles se observam e se descobrem nas relações com os outros, com os poderes constituídos na embaixada, na descoberta da amizade e do amor. Ana e Pedro estão expostos. Ana constrói vitrines com pedrinhas, clipes, baganas, botões e as cobre com cacos de vidro. Cacos de vida. Pequenas vitrines onde ela tenta criar um mundo sob controle. Tarefa que é bela por impossível, necessária embora fugaz. E assim, o microcosmo de um outro tempo se torna reflexo do nosso presente, em que uma pandemia nos trancou em espaços fechados, em confinamentos indispensáveis para nossa sobrevivência. Se por um lado o isolamento nos salva, nessa estufa, nessa vitrine onde estão crescendo suas alegrias e angústias (de Ana, Pedro e nossas), vemos exposta nossa própria vida, nossas fraquezas e nossos sonhos”, finalizou a diretora.

Em 2010, Flavia dirigiu o documentário Diário de uma Busca, que conta a trajetória de seu pai, o jornalista de esquerda Celso Castro, morto em circunstâncias suspeitas no apartamento de um ex-oficial nazista, em Porto Alegre. O filme foi contemplado com vários prêmios no Brasil e no exterior, assim como seu segundo longa, Deslembro, ficção que participou da seleção oficial do Festival de Veneza, da Mostra de São Paulo e foi premiada no Festival do Rio.

Fotos: Ana Carolina Ramos.

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