Ator, diretor, roteirista e autor, Matheus Nachtergaele é um dos maiores nomes das artes brasileiras. O multiartista de 56 anos, que está no ar como Norberto, na novela Renascer, após um hiato de dez anos sem atuar no segmento, foi homenageado na 52ª edição do Festival de Cinema de Gramado com o Troféu Oscarito.
Na noite de sábado, 10/08, Nachtergaele foi ovacionado no palco do Palácio dos Festivais por sua trajetória de sucesso: “Eu tô bem nervoso. É muito difícil me fazer aceitar ser merecedor dessa honraria. O Festival de Gramado é o festival mais longevo do Brasil. Ele é a casa tradicional do cinema brasileiro. Essa homenagem é um dos pontos culminantes de uma caminhada dentro do cinema para um ator no Brasil”, disse no início do seu discurso.
Depois de receber o Troféu Oscarito das mãos do jornalista Marcos Santuario, também curador do festival, emocionou o público com suas palavras: “Eu apostei todas as minhas fichas em ser ator. Eu não tenho um plano B. Não fiz família, não tenho hobby, não escalo montanhas, não faço aeromodelismo nas horas vagas. Eu estou sempre pensando em um próximo personagem. E eu fui ator na hora do cinema brasileiro se retomar, fui recrutado para essa reconstrução e passei a ser um dos construtores do cinema que a gente tem hoje em dia no Brasil. Quero me sentir merecedor dessa homenagem. Quero abrir meu peito para essa alegria. Quero dizer também que se alegria e carinho fossem algo bem concreto, eu dividiria em 206 mil partes e daria um bocadinho para as famílias que continuam desabrigadas após a tragédia das águas aqui no Rio Grande do Sul. Mas como carinho não é tão palpável, eu só espero que essa noite expanda a resistência e o brilho dos gaúchos por toda essa região. O festival esse ano merece um aplauso a mais!”.
Nascido em São Paulo, iniciou sua trajetória no Centro de Pesquisa Teatral, de Antunes Filho, e na companhia Teatro da Vertigem, com o seu trabalho em O Livro de Jó, de 1995. A estreia nas telonas veio dois anos depois, com dois filmes antológicos: o clássico gaúcho Anahy de las Misiones, de Sérgio Silva, e O que é Isso, Companheiro?, de Bruno Barreto, que concorreu ao Oscar de melhor filme internacional. Também em 1997, fez sua estreia na TV Globo, na minissérie Hilda Furacão. Dando vida à Cintura Fina, personagem que se identificava como mulher, embora tivesse nascido com um corpo masculino, Matheus desafiava as noções de gênero vigentes. Esse papel levou reconhecimento ao ator, que viria a protagonizar a minissérie O Auto da Compadecida (1999), posteriormente lançada, em formato reduzido, para os cinemas, rendendo-lhe o Grande Prêmio do Cinema Brasileiro como melhor ator.
No ano de 2002, participou de outro clássico do cinema nacional: Cidade de Deus, de Fernando Meirelles e Kátia Lund, que concorreu ao Oscar em quatro categorias. Atrás das câmeras, mostrou um novo talento ao dirigir A Festa da Menina Morta. O longa foi selecionado para a mostra Um Certo Olhar, do Festival de Cannes, e venceu os prêmios de melhor filme pelo Júri Popular e pela Crítica, melhor ator, fotografia e música no Festival de Gramado; a obra ainda arrematou os prêmios de melhor direção de ficção e melhor ator no Festival do Rio.
Ano passado, durante a 51ª edição do Festival de Gramado, na qual exibiu Mais Pesado é o Céu, de Petrus Cariry, foi eternizado na Calçada da Fama da cidade. Matheus possui indicações e vitórias nos mais importantes festivais e premiações do cinema brasileiro e mundial: Festival de Cannes, Prêmio Platino, Festival de Cinema de Lisboa, Uruguay International Film Festival, Grande Prêmio do Cinema Brasileiro, Festival do Rio, Festival de Brasília, Cine Ceará e Cine PE são alguns exemplos.
Homenagem na serra gaúcha pela carreira consagrada
Nas telonas, Nachtergaele também é conhecido por trabalhos como Central do Brasil (1998), Amarelo Manga (2002) e Febre do Rato (2011), e muitos outros projetos para a TV, como Sob Pressão (2017), Cordel Encantado (2011) e Todas as Mulheres do Mundo (2020). Em 2024, Matheus retorna aos cinemas como João Grilo, personagem emblemático de sua carreira, para a continuação de O Auto da Compadecida, de Guel Arraes; a sequência estreia no dia 25 de dezembro. Matheus Nachtergaele se junta à Mariëtte Rissenbeek e Jorge Furtado, que serão homenageados com o Kikito de Cristal e Eduardo Abelin, respectivamente.
Emocionado no palco, Matheus continuou seu discurso: “Eu tenho um sonho, que já não é mais íntimo porque às vezes eu falo dele: de que um dia, no homem mais evoluído, a oração vai ser feita no bom teatro, no bom cinema, no bom show de música. Eu acho que as artes do espetáculo, que se apresentam para o coletivo, em qualquer gênero, comédia, tragédia, drama, musical, é a oração dos homens mais livres. É quando a gente se encontra para celebrar, para fazer a catarse de espanto, de alegria, de horror, de arrepio, de calafrio”.
E seguiu: “Os filmes agora moram pouco nos cinemas. Vão logo para as televisões, para os streamings. O cinema tá mudando e isso pode ser muito bom… vamos ver! Mas os lindos filmes de cinema serão como orações: um dia ocuparão o lugar das igrejas que ainda utilizam de dogma para cativar as pessoas. Vamos orar juntos e livremente. E neste sentido, os festivais de cinema serão igrejas onde pessoas bem livres estarão prontas para rezar com liberdade total. E rir e chorar o mundo juntas. Eu sonho com isso! Toda vez que eu entro em cena eu posso dizer que estou rezando”.
No palco, Nachtergaele também declamou o poema Eros e Psique, de Fernando Pessoa, e contou com a ajuda da plateia para a interação. Depois, finalizou seu discurso: “Eu não quero ocupar muito tempo, mas vou ocupar um pouco porque é o dia de ganhar o Oscarito. O ator é um ser bem perdido mesmo e essa doença de alma, quando bem utilizada, é uma coisa boa para a sociedade como um todo. Tem uma função de limpeza mesmo, uma coisa sanitária das almas. O ator, por estar se procurando por não saber quem ele é, vai pegando carona em cada personagem e vai encontrando temporariamente em si coisas que ele desconhecia. E durante aquele período fica confortável em cena sendo algo. Depois que aquilo acaba, ele tá de novo na perdição. Precisa do aplauso, precisa do amor. Ele é um perdido esfacelado que tá se procurando. Mesmo. Ele tá em sofrimento”.
Depois da homenagem a Matheus Nachtergaele, aconteceu a exibição especial do primeiro episódio da série Cidade de Deus: A Luta Não Para, que contou com a presença do diretor Aly Muritiba e integrantes do elenco, entre eles, a atriz Roberta Rodrigues, que elogiou o colega: “É uma honra estar aqui no dia em que Matheus é homenageado. Eu sou uma grande fã, somos todos. E você definiu muito o que é arte. Você é um gênio e eu fiz Cidade de Deus ao seu lado. Eu vi você atuando e isso é uma honra”.
*O CINEVITOR está em Gramado e você acompanha a cobertura do evento por aqui, pelo canal do YouTube e pelas redes sociais: Twitter, Facebook e Instagram.
Fotos: Edison Vara/Agência Pressphoto.