Victor Furtado no debate: primeiro longa como diretor.
A segunda noite da 30ª edição do Cine Ceará – Festival Ibero-americano de Cinema exibiu duas produções da Mostra Competitiva Ibero-americana de longa-metragem: o argentino As Boas Intenções (Las buenas intenciones), de Ana García Blaya; e o brasileiro Última Cidade, de Victor Furtado, em première mundial.
Lembrando que, este ano, o evento conta com exibições presenciais dos longas em competição no Cineteatro São Luiz, em Fortaleza, e também on-line no Canal Brasil pelo serviço de streaming Canais Globo, no YouTube e na TV Ceará.
Com Javier Drolas e Amanda Minujin no elenco, As Boas Intenções levou o Prêmio Especial do Júri no Festival de Havana do ano passado, Menção Especial no Festival Biarritz Amérique Latine e o Prêmio Jovem no Festival de San Sebastián. Além disso, foi exibido em Toronto, Mar del Plata, Palm Springs, entre outros.
A trama se passa em Buenos Aires, início dos anos noventa. Amanda tem 10 anos, dois irmãos mais novos e pais separados com quem os filhos vivem alternadamente. O pai, Gustavo, ama os filhos um pouco mais do que a si mesmo. Quando com ele, Amanda é obrigada a assumir o lugar de um adulto e a cuidar de todos como pode. Um dia, a mãe propõe a alternativa de levar os filhos morar fora do país, longe da crise econômica e da vida complicada do pai. A proposta coloca Amanda em xeque.
Amanda Minujin e Javier Drolas em As Boas Intenções.
Responsável pela trilha sonora do longa, Pablo García Blaya, irmão da diretora, marcou presença no Cine Ceará no debate realizado no dia seguinte com mediação de Neusa Barbosa; Ana García Blaya participou virtualmente: “O filme é bastante autobiográfico e poderia ter várias versões; do meu irmão, do meu pai, da minha mãe. Foi escrito há dez anos de forma muito livre e sincera e tem a ver com minha infância e meus pais. Também respeita um ponto de vista e um momento específico da minha vida. Fui muito fiel com minhas lembranças”, disse a diretora.
Sobre o uso de imagens antigas e caseiras no longa, ela revelou: “Eu tinha muitos vídeos que meu pai filmava quando éramos crianças e sempre usei esse material como referência para a direção de arte, figurino e atores. Não pensava em utilizá-lo no filme. Porém, percebi que poderia complementar a história e fui buscar mais arquivos”.
Pablo também falou sobre as influências familiares: “Nós crescemos em um ambiente musical, já que meu pai foi dono de uma loja de discos e também músico. Absorvemos muito isso e diversas situações do filme traduzem o ambiente sonoro que crescemos. Foi uma forma de reconstruir a cena musical da década de 1990”. E completou: “A realização do filme foi uma viagem sonora e uma reconstrução afetiva da nossa infância. Tivemos a colaboração de pessoas que eram clientes da loja de discos, que eram compositores e músicos e que oferecerem suas músicas, já que seria difícil conseguir versões originais de cantores consagrados”, finalizou.
Debate: Neusa Barbosa e Pablo García Blaya.
Depois da exibição do argentino, foi a vez do cearense Última Cidade, dirigido por Victor Furtado, tomar conta do Cineteatro São Luiz. O elenco conta com Julio Adrião, Hector Briones, Danilo Pinho, Yasmin Salvador, Cristina Costa, Liduina Costa, Maria do Carmo e José Rufino.
Montado em seu cavalo Cruzeiro, e na companhia de um andarilho chamado Tahiel, João adentra uma grande cidade do nordeste brasileiro para enfrentar àquele que tomou suas terras e acabou com sua família.
O diretor também participou do debate e comentou sobre a ideia do longa: “Foi um processo muito particular e singular. O argumento foi escrito em três noites durante um réveillon que fiquei sozinho; talvez concatenando algumas ideias em cima dessa intenção de despistar nosso imaginário nordestino e brasileiro. De lá pra cá, tive a imensa colaboração do corroteirista Thiago Mendonça. O processo de pré-produção refez esse roteiro e tivemos a participação de vários integrantes da equipe quando percebemos que precisávamos mudar um pouco o rumo da narrativa. Filmamos em 2018, enquanto nosso absurdo presidente estava recebendo uma facada, e isso foi alterando um pouco o estado de espírito do filme”.
Julio Adrião em Última Cidade.
E completou sobre o processo de criação: “Os elementos principais do filme já estavam lá. Acredito que mudamos a consistência e o tom de algumas cenas no processo criativo antes de filmá-lo. O tema latino-americano já estava e acredito que essa contribuição que fizemos traz uma tradição do cinema brasileiro de lidar com esse tema da migração. Essa invenção do Nordeste que a gente tem caminhou junto com a abordagem desse tema pelas artes. O filme bebe muito de Glauber Rocha, por exemplo”.
O cineasta também falou sobre os atores: “A presença do elenco foi muito importante para dar corpo ao filme. Eu escrevi pensando nessas pessoas. O Julio Adrião foi um desafio porque ele é um carioca maravilhoso e tem a ver com a construção de um arquétipo; é um personagem difícil de ser interpretado porque é um personagem superficial que absorve uma complexidade que o filme pode ensaiar. Para isso, eu precisava de uma ator com a experiência do Julio. E a escola de teatro que ele carrega no corpo é um pouco a pegada de registro de atuação do nosso filme. Foi um trabalho gostoso de fazer porque nos preocupamos muito em compor esse elenco”.
Sobre referências e simbologias, Victor falou: “Eu não estou criando nada novo. A gente se propõe a remexer no que a América Latina e o Brasil já construíram. Miguel de Cervantes, por exemplo, é um autor que eu adoro e poderia ser uma ponte com o nosso universo sertanejo. É a velha história que a gente ainda não conseguiu romper e articular a sociedade para que os espaços de poder consigam transformar essa história. O passado parece ser a constatação desse futuro. Então, como mudar isso? É um filme muito de superfície e trabalhamos muito com símbolos. Acredito que eu não trato de uma maneira muito aprofundada a complexidade desse projeto de desenvolvimento, que nasce com a colonização europeia, mas embaralho isso em uma série de símbolos para que o espectador faça diversas interpretações”, finalizou.
*O CINEVITOR está em Fortaleza e você acompanha a cobertura do 30º Cine Ceará por aqui, pelo canal no YouTube e pelas redes sociais: Twitter, Facebook e Instagram.
Fotos: Rogerio Resende/Divulgação.