Manas, de Marianna Brennand, é selecionado para mostra paralela do Festival de Veneza 2024

por: Cinevitor
Dira Paes e Jamilli Correa no longa brasileiro Manas: filme selecionado

Criada em 2004, a Giornate degli Autori, mostra paralela ao Festival Internacional de Cinema de Veneza, foi inspirada na Quinzena dos Realizadores, de Cannes, com o objetivo de chamar a atenção para um cinema de alta qualidade, sem qualquer tipo de restrição, e com um cuidado especial em inovação, pesquisa, originalidade e independência.

Nesta 21ª edição, que acontecerá entre os dias 28 de agosto e 7 de setembro, o cineasta português João Pedro Rodrigues será o presidente do júri. O cinema brasileiro marca presença na Seleção Oficial com Manas, primeiro longa de ficção da cineasta Marianna Brennand. Protagonizada pela estreante Jamilli Correa, a obra traz no elenco nomes como Dira Paes, Fátima Macedo e Rômulo Braga, além de atores e atrizes locais da região amazônica, onde foi filmada. O roteiro, vencedor do Sam Spiegel International Film Lab, é assinado por Felipe Sholl, Marcelo Grabowsky, Marianna Brennand, Antonia Pellegrino, Camila Agustini e Carolina Benevides.

Em comunicado oficial, a diretora disse: “Ver Manas nascer para o mundo no Festival de Veneza é um sonho. É muito gratificante ter o meu primeiro filme de ficção entre os dez selecionados para a Giornate degli Autori, uma mostra que todos os anos revela novos talentos do cinema. Além do reconhecimento de um trabalho de dez anos, traz grande visibilidade para o filme e sua temática tão urgente”.

Manas narra a história de Marcielle/Tielle, uma jovem de 13 anos que vive na Ilha do Marajó, no Pará, junto ao pai, Marcílio, à mãe, Danielle, e a três irmãos. Ela cultua a imagem de Claudinha, sua irmã mais velha, que teria partido para bem longe após “arrumar um homem bom” nas balsas que passam pela região. Conforme amadurece, Tielle vê ruírem muitas das suas idealizações e se percebe presa entre dois ambientes abusivos. Preocupada com a irmã mais nova e ciente de que o futuro não lhe reserva muitas opções, ela decide confrontar a engrenagem violenta que rege a sua família e as mulheres da sua comunidade.

A fagulha inicial para a realização do filme ocorreu quando Marianna tomou conhecimento de casos de exploração sexual de crianças nas balsas do Rio Tajapuru, na Ilha do Marajó. Em 2014, ela ganhou um edital de desenvolvimento de roteiro promovido pela Ancine, Agência Nacional de Cinema, e deu início às pesquisas para o trabalho, que incluíram diversas viagens para a região. Primeiramente, havia a intenção de realizar um documentário, campo no qual a cineasta atuava, mas logo essa ideia foi abandonada.

“No início da pesquisa, me deparei com uma questão ética muito séria. Era inaceitável para mim como documentarista colocar à frente da câmera crianças, adolescentes e mulheres para recontarem situações de abuso pelas quais haviam passado. Seria cometer mais uma violência contra elas. É um tema muito duro e complexo. O desafio era retratar não só uma dor física e emocional, mas também existencial, e isso foi algo que a ficção me permitiu trabalhar. Busquei estabelecer uma espécie de mergulho sensorial que conectasse o espectador à experiência emocional da protagonista. Eu optei por fincar o filme, em todos os seus aspectos, em um hiper-naturalismo que se liga ao documental, abrindo mão de qualquer artifício que pudesse desviar da vivência dela e de seu inconsciente”, explica a cineasta.

Para a composição do elenco, que teve direção de Anna Luiza Paes de Almeida e preparação de René Guerra, formou-se um núcleo adulto composto por atores profissionais com experiência em cinema (Fátima Macedo, Rômulo Braga e Dira Paes, além de Ingrid Trigueiro, Clébia Souza, Nena Inoue e Rodrigo Garcia) e um núcleo infantil escolhido a partir de testes com centenas de crianças moradoras da Região Metropolitana e de ilhas próximas a Belém.

Uma das mais talentosas e premiadas atrizes do cinema nacional, Dira Paes interpreta a policial Aretha. O papel foi construído baseado em pessoas reais como o delegado Rodrigo Amorim, conhecido por combater a exploração sexual infantil nas balsas da região, e em Marie Henriqueta Ferreira Cavalcante, uma referência no enfrentamento à violência sexual contra crianças e adolescentes na região Amazônica: “A personagem da Aretha foi escrita especialmente para a Dira, que foi uma grande parceira desde o começo. A Dira sempre foi um farol para mim, uma mulher que me inspira pelo seu ativismo, uma das grandes atrizes brasileiras e uma mulher paraense que conhece muito bem a realidade que abordamos no filme”, comentou a diretora.

Selecionada para viver a protagonista Marcielle, Jamilli Correa não tinha qualquer experiência prévia com atuação e surpreendeu pela técnica que demonstrou ao longo de todo o processo: “Eu sempre brinco que ela foi atriz em vidas passadas. A gente só destravou algo que já estava dentro dela. A Jamilli é uma força da natureza. Ela tem um silêncio preenchido que imprime na tela muitas nuances e uma inteligência cênica impressionante, qualidades raras”, resume Marianna Brennand. O brasiliense Rômulo Braga e a cearense Fátima Macedo, respectivamente nos papéis do pai e da mãe da personagem principal, completam o elenco principal do filme. 

Manas é uma produção da Inquietude, em coprodução com Globo Filmes, Canal Brasil, Pródigo e Fado Filmes (Portugal), com produção associada da VideoFilmes e Maria Carlota (Brasil), da Les Films du Fleuve (Bélgica) e de Dominique Welinski (França). Foi premiado com o Emerging Filmmaker Award (Sam Spiegel International Film Lab) e teve o apoio do Programa Ibermedia. No Brasil, o filme será distribuído pela Bretz Filmes.

Além disso, o longa Alma do Deserto, dirigido pela cineasta colombiana Monica Taboada Tapia, será exibido fora de competição. O filme é coproduzido pela empresa brasileira Estúdio Giz, junto à empresa colombiana Guerrero Films

O longa é um documentário que acompanha Georgina Epiayu, uma mulher trans da etnia Wayúu, em busca de emitir sua carteira de identidade. Ela já teve documentos em seu nome antigo, mas os perdeu depois que atearam fogo na casa onde vivia: seus vizinhos não aceitavam que uma indígena trans habitasse o mesmo território que eles. Depois de sofrer esse atentado, Georgina decide que quer ir até o fim para ter sua verdadeira identidade reconhecida. Somente com seus documentos corrigidos pelas autoridades colombianas, ela poderá exercer o direito fundamental de todo cidadão: o de votar nas eleições.

Alma do Deserto conta com profissionais brasileiros na equipe técnica, como Will Domingos na montagem, Tiago Bello na mixagem e O Grivo na composição da trilha musical. No Brasil, será distribuído pela Retrato Filmes e tem previsão de estreia em 2025

Conheça os filmes selecionados para a mostra Giornate degli Autori 2024:

SELEÇÃO OFICIAL

Alpha., de Jan-Willem Van Ewijk (Eslovênia/Suíça/Holanda)
Boomerang, de Shahab Fotouhi (Irã)
Manas, de Marianna  Brennand (Brasil)
Sanatorium Under the Sign of the Hour Glass, de Quay Brothers (EUA)
Selon Joy, de Camille Lugan (França)
Sugar Island, de Johanné Gómez Terrero (República Dominicana/Espanha)
Super Happy Forever, de Kohei Igarashi (Japão/França)
Taxi Monamour, de Ciro De Caro (Itália)
The Antique, de Rusudan Glurjidze (Geórgia/Suíça/Finlândia/Alemanha)
To Kill a Mongolian Horse, de Jiang Xiaoxuan (China/Mongólia/Malásia/EUA/Hong Kong/Coreia do Sul/Japão)

FORA DE COMPETIÇÃO

Alma do Deserto (Alma del desierto), de Monica Taboada Tapia (Colômbia/Brasil)
Basileia, de Isabella Torre (Itália) (filme de encerramento)
Coppia aperta quasi spalancata, de Federica Di Giacomo (Itália) (filme de abertura)
Kora, de Cláudia Varejão (Portugal)
Peaches Goes Bananas, de Marie Losier (França/Bélgica)
Possibility of Paradise, de Mladen Kovačević (Sérvia)
Soudan, souviens-toi, de Hind Meddeb (França/Qatar/Tunísia)

Foto: Divulgação.

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