Dirigido pelo cineasta cearense Wolney Oliveira, de Soldados da Borracha, Memórias da Chuva foi exibido nesta segunda-feira, 14/08, na 51ª edição do Festival de Cinema de Gramado e abriu a mostra competitiva de longas-metragens documentais.
O filme revisita a história da construção do Açude Castanhão, projetado para garantir recursos hídricos para Fortaleza, no Ceará, e região metropolitana, e o consequente deslocamento da população da cidade de Jaguaribara, que foi demolida para dar lugar à barragem, para um novo espaço de habitação.
No Palácio dos Festivais, Wolney subiu ao palco acompanhado por alguns integrantes da equipe, como: Mayara Magalhães, responsável pela pesquisa; Rogerio Resende, diretor de fotografia; Tiago Therrien, montador; Lucas Hernández, assistente de montagem; e os personagens Vauvernagues Almeida e Livia Barreto, moradores de Jaguaribara.
“Agradeço ao festival por selecionar nosso filme e também parabenizo pelo fato do cinema documental voltar a ser presencial. Dedico essa exibição a três mestres do documentário: dois deles foram meus professores em Cuba, o Fernando Pérez e o Gerardo Chijona; e o outro que é um mestre mundial, Eduardo Coutinho”, disse Wolney em seu discurso. Vauvernagues Almeida, um dos personagens do filme, também falou: “É um prazer participar desse festival tão falado no Brasil. Com esse filme, vocês terão a oportunidade de conhecer o maior luto que até hoje vivenciamos na nossa terra, no nosso estado”, disse.
Lívia Barreto, Secretária de Desenvolvimento Econômico de Jaguaribara e uma das personagens do filme, relembrou, no palco, o ocorrido em sua cidade: “Há 21 anos estávamos em processo de mudança. É emocionante relembrar tudo isso. O documentário volta nossa emoção como um povo que se sacrificou e deixou para trás sua história e sua cidade para dar mais água ao Ceará”, disse.
Memórias da Chuva é narrado pelo ponto de vista dos moradores da cidade e utiliza entrevistas e imagens de arquivo produzidas por eles no decorrer dos anos. O material reunido apresenta os impactos sociais, políticos, econômicos, ambientais e afetivos causados pelo ambicioso projeto governamental que, desde os anos 1980, já indicava a submersão de Jaguaribara. Nessa época, os moradores se uniram na formação de uma frente de resistência para tentar impedir o projeto. A criação de uma cidade substituta, a primeira planejada do Ceará, surgiu como uma demanda dessa articulação popular, já que a proposta original previa apenas indenizar os moradores pela remoção.
Cena do documentário
O Castanhão, a Nova Jaguaribara e o canal de integração que leva água para Fortaleza começaram a ser construídos em 1995, mas foi apenas em 2001 que as pessoas foram definitivamente deslocadas para suas novas moradas. Mais de 20 anos depois, o filme desperta as memórias do povo jaguaribarense e discute a relação de pertencimento com a cidade do passado e a do presente.
No dia seguinte à exibição, Wolney Oliveira participou de um debate com a imprensa e com o público, que aconteceu na Sociedade Recreio Gramadense e foi mediado pelo jornalista Roger Lerina: “É uma história de dor e sofrimento. Politicamente não se cumpriu nada. Era uma cidade com mais de nove mil habitantes que deu lugar para a construção do Açude Castanhão quando existia uma possibilidade que pouparia aquele lugar. Até hoje, quando a água baixa e a cidade antiga aparece, todos da cidade nova voltam. É uma romaria, de geração para geração”, disse Wolney.
A pesquisa do filme foi realizada pela cientista social Mayara Magalhães, que trabalhou de forma coletiva com os produtores para coletar os arquivos e localizar os personagens essenciais para as entrevistas: “A própria população montou um acervo riquíssimo e tudo é muito acessível”, disse a pesquisadora no debate. E continuou: “O filme conta uma história recente, que aconteceu em um momento de fácil acesso às câmeras domésticas. Por isso, os jaguaribarenses conseguiram registrar momentos importantes de forma amadora”. Wolney Oliveira finalizou: “A interferência na vida de mais de nove mil pessoas teve grande repercussão na mídia local e nacional, o que me interessou como cineasta”.
Além do documentário, o cinema cearense também marcou presença na competitiva de longas brasileiros de ficção do 51º Festival de Gramado na noite de segunda-feira com Mais Pesado é o Céu, de Petrus Cariry; clique aqui e confira o pôster e uma cena do filme. Os curtas-metragens Sabão Líquido, de Fernanda Reis e Gabriel Faccini, e Jussara, de Camila Cordeiro Ribeiro, também foram exibidos, assim como o primeiro episódio da série Cangaço Novo.
Rodada no sertão nordestino, a trama de Mais Pesado é o Céu acompanha o encontro de Antônio, vivido por Matheus Nachtergaele, e Teresa, interpretada por Ana Luiza Rios, que, por motivos diferentes, pegam a estrada em busca de reconstruir a vida. Diante de um Brasil devastado pela crise moral e política, os dois acolhem um bebê abandonado e formam uma família improvável sob o sol escaldante do interior do Ceará. Clique aqui e confira nosso bate-papo com o ator Matheus Nachtergaele, que falou sobre a exibição em Gramado e também sobre a morte da atriz Léa Garcia.
*O CINEVITOR está em Gramado e você acompanha a cobertura do evento por aqui, pelo canal do YouTube e pelas redes sociais: Twitter, Facebook e Instagram.
Fotos: Cleiton Thiele/Agência Pressphoto/Divulgação.