Morre, aos 84 anos, o cineasta e produtor Cacá Diegues

por: Cinevitor
Cacá Diegues: um dos maiores nomes do cinema brasileiro

Morreu na madrugada desta sexta-feira, 14/02, aos 84 anos, o consagrado cineasta e produtor brasileiro Cacá Diegues. Com mais de trinta filmes ao longo da carreira, entre curtas e longas, foi um dos fundadores do Cinema Novo.

Nascido em Maceió, Alagoas, no dia 19 de maio de 1940, Carlos José Fontes Diegues mudou-se, aos seis anos, para o Rio de Janeiro com a família. Durante o curso de Direito, na PUC-Rio, foi presidente do Diretório Estudantil e criou um cineclube. Nessa época, começou a atuar como cineasta amador, dirigiu o jornal O Metropolitano, publicado pela União Metropolitana de Estudantes, e juntou-se ao Centro Popular de Cultura, ligado à União Nacional dos Estudantes. Aqui, entre discussões sobre cinema, nascia o núcleo de fundação do Cinema Novo, no qual Cacá era um dos líderes ao lado de nomes como Glauber Rocha, Leon HirszmanPaulo César Saraceni e Joaquim Pedro de Andrade.

No início dos anos 1960, dirigiu os curtas Fuga e Domingo, títulos pioneiros do Cinema Novo, movimento compromissado a renovar a linguagem cinematográfica brasileira a partir de um realismo crítico, que tinha como objetivo ter um impacto político concreto a partir da mobilização das massas. Além disso, o Cinema Novo também surgiu como uma resposta ao cinema tradicional que fazia sucesso nas bilheterias brasileiras no final da década de 1950, um cinema que basicamente se resumia a musicais, comédias e histórias épicas no estilo hollywoodiano, muitas vezes realizados com recursos de produtoras e distribuidoras estrangeiras.

Em 1962, Diegues realizou seu primeiro trabalho em um longa-metragem: o episódio Escola de Samba Alegria de Viver, do filme Cinco Vezes Favela; os outros segmentos foram dirigidos por Joaquim Pedro de Andrade, Leon Hirszman, Marcos Farias e Miguel Borges. No ano seguinte, lançou Ganga Zumba, protagonizado por Antonio Pitanga e Léa Garcia. Depois vieram A Grande Cidade e Os Herdeiros.

Durante a ditadura militar no Brasil, Cacá deixou o país ao lado da esposa, a cantora Nara Leão. Quando voltou, realizou duas obras importantes de sua filmografia: Quando o Carnaval Chegar, com Chico Buarque, Nara Leão, Maria Bethânia, Hugo Carvana, Ana Maria Magalhães, Antonio Pitanga, Odete Lara e Elke Maravilha; e Joanna Francesa, com Jeanne Moreau, que foi premiado pela APCA nas categorias de melhor argumento original e melhor música para Chico Buarque e Roberto Menescal.

Em 1976, foi a vez do aclamado Xica da Silva, protagonizado por Zezé Motta e considerado seu maior sucesso popular. O filme, que se passa na segunda metade do século 18, narra a paixão de João Fernandes, representante da corte portuguesa, pela escrava negra Xica da Silva, que a transforma na Rainha do Diamante. O longa foi o grande vencedor do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro com três troféus: melhor filme, direção e atriz para Zezé Motta. Com Chuvas de Verão, de 1978, Cacá também foi premiado com o troféu Candango em Brasília e no Festival de Havana.

No início da redemocratização do país e da renovação do cinema brasileiro, Diegues lançou o consagrado Bye Bye Brasil, que disputou a Palma de Ouro no Festival de Cannes, em 1980. Com José Wilker, Betty Faria e Fábio Jr. no elenco, o filme mostra Salomé, Lorde Cigano e Andorinha, três artistas mambembes que cruzam o país juntamente com a Caravana Rolidei, fazendo espetáculos para o setor mais humilde da população brasileira e que ainda não tem acesso à televisão. No ano passado, uma cópia restaurada da obra foi exibida na mostra Cannes Classics.

Cacá Diegues nos bastidores de Bye Bye Brasil, em 1979: filme exibido em Cannes

Em 1981, Cacá integrou o júri do Festival de Cannes e, na sequência exibiu, em competição, outros dois títulos: Quilombo, com Zózimo Bulbul, em 1984; e Um Trem para as Estrelas, em 1987. Em 2018, na 71ª edição, voltou ao festival com O Grande Circo Místico, seu último lançamento comercial, que foi exibido na mostra Sessões Especiais.

Sua trajetória seguiu com Dias Melhores Virão, protagonizado por Marília Pêra, que foi premiada no Festival de Cartagena e pela APCA; Veja Esta Canção, que rendeu o prêmio de melhor direção para Diegues em Havana e o Prêmio APCA para Debora Bloch; Tieta do Agreste, com Sonia Braga, exibido no Festival de San Sebastián e que rendeu outros dois prêmios para Marília Pêra como atriz coadjuvante: no Festival de Havana e o Troféu APCA, que também foi entregue a Chico Anysio.

Em 1990, outro sucesso: Orfeu, com Toni Garrido e Patrícia França. O longa foi eleito o melhor filme no Festival de Cartagena e no Grande Prêmio do Cinema Brasileiro (no qual também venceu nas categorias de melhor trilha sonora para Caetano Veloso e melhor fotografia para Affonso Beato). Exibido em San Sebastián, foi indicado ao MPSE Golden Reel Awards, que elege os melhores editores de som, e premiado pela APCA como melhor fotografia.

Com Deus é Brasileiro, levou mais de 1,6 milhão de espectadores aos cinemas em 2003. A comédia, baseada no conto O Santo que não Acreditava em Deus, de João Ubaldo Ribeiro, foi protagonizada por Antonio Fagundes e Wagner Moura. Na época, o longa rendeu a Wagner o Troféu APCA de melhor ator e também de Revelação no Prêmio Guarani; foi exibido nos festivais de Tóquio e Cartagena e indicado ao Grande Prêmio do Cinema Brasileiro, hoje chamado de Prêmio Grande Otelo. Recentemente, uma sequência intitulada Deus Ainda é Brasileiro foi anunciada e filmada em Alagoas, terra natal do diretor; o filme tem estreia prevista para o segundo semestre deste ano.

Sua carreira como diretor seguiu com o filme O Maior Amor do Mundo, premiado nos festivais de Havana, Mar del Plata e Montreal; com o DVD Nenhum Motivo Explica a Guerra, do grupo AfroReggae; com a série Brasil que Vale; com o documentário Rio de Fé; entre outros. Cacá também assinou como produtor em diversas obras do cinema brasileiro, entre elas: Terra em Transe, Favela Gay, Na Quebrada, Loucas pra Casar, Meu Amigo Hindu, Aquarius, Meu Passado me Condena 2, Um Tio Quase Perfeito, O Filme da Minha Vida, Fala Sério, Mãe!, Bacurau, Três Verões, Doutor Gama, entre muitos outros.

Em agosto de 2018, foi eleito o novo imortal da Academia Brasileira de Letras, na cadeira de nº 7, que já foi ocupada pelo também cineasta Nelson Pereira dos Santos, pelo escritor Euclides da Cunha e pelo fundador da ABL, Valentim Magalhães. Recebeu o título de Comendador da Ordem de Mérito Cultural e a Medalha da Ordem de Rio Branco, a mais alta do país. 

Cacá também foi conselheiro da Cinemateca Brasileira entre 2010 e 2013; e recebeu o Troféu Eduardo Abelin no Festival de Cinema de Gramado. O cineasta sempre mirou sua câmera para um Brasil desconhecido ou escondido sem preconceitos e contou a história da formação do país. Carlos Diegues, em sua obra, representou, emblematicamente, três momentos importantíssimos do cinema brasileiro: surge com o Cinema Novo, nos anos 1960; o cinema da metáfora, nos anos 1970; e o cinema híbrido, que aparece ao redor dos anos 1980

Desde 1981, era casado com a produtora de cinema Renata Almeida Magalhães, atual presidente da Academia Brasileira de Cinema. Diegues morreu no Rio de Janeiro por conta de uma parada cardiorrespiratória antes de realizar uma cirurgia.

*Clique aqui e relembre nossa entrevista com o diretor, realizada em setembro de 2017 durante a mostra Cacá Diegues – Cineasta do Brasil

Fotos: Déborah Néris/FDC/Divulgação.

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