Direção: Allan Deberton
Elenco: Marcélia Cartaxo, João Miguel, Zezita Matos, Soia Lira, Samya De Lavor, Edneia Tutti, Débora Ingrid, Rodger Rogério.
Ano: 2019
Sinopse: Pacarrete é uma bailarina incomum que vive em Russas, no interior do Ceará. Na véspera da festa de 200 anos da cidade, ela decide fazer uma apresentação de dança, como presente, para o povo. Mas parece que ninguém se importa.
Crítica do CINEVITOR: Em seu primeiro longa-metragem como diretor, o cearense Allan Deberton, que já tinha realizado outros três curtas, se baseou numa história verídica sobre uma bailarina nascida em Russas, no Ceará, sua cidade natal. Pacarrete, que alimentava o sonho de brilhar com suas sapatilhas, foi morar em Fortaleza para aperfeiçoar sua arte. Lá, subiu aos palcos como bailarina clássica e se tornou professora de ballet. Quando retorna para sua cidade, com a intenção de continuar seu trabalho, enfrenta preconceito e desrespeito dos moradores, que, muitas vezes, a chamaram de louca. Inspirado no legado dessa mulher, Deberton revisitou suas lembranças no interior para registrar com afeto a história dessa ilustre cidadã e artista rejeitada, que faleceu aos 90 anos com desejo de seguir em frente com sua arte. Pacarrete é uma bela homenagem à artista, mas vai muito além disso. É um filme sobre amor, que também aborda questões como a loucura, sonhos e velhice. Envolto em emoção e sensibilidade, o roteiro, escrito por Deberton, André Araújo, Samuel Brasileiro e Natália Maia, ainda trata de assuntos como a relação dos administradores locais da cidade com a arte, a maneira como se relacionam com tal e como a tratam em prol de seus interesses. Dona de uma voz estridente e personalidade forte, Pacarrete é brilhantemente interpretada pela atriz paraibana Marcélia Cartaxo, vencedora do Urso de Prata, no Festival de Berlim, por seu trabalho em A Hora da Estrela, de Suzana Amaral, em 1985. A atriz surge esplendorosa na telona, logo na primeira cena, em um número musical cativante que já prepara o espectador para os próximos acontecimentos. Aqui, já é possível perceber que seremos surpreendidos ao longo dos 97 minutos de projeção. No Festival de Cinema de Gramado, no qual o filme saiu vitorioso com oito kikitos, a cena de abertura foi aplaudida pelo público. Na sequência, vamos conhecendo aos poucos a história dessa artista, apaixonada pela arte, e que sonha em se apresentar no aniversário da cidade. Rejeitada pela prefeitura, Pacarrete não desiste fácil e segue no árduo trabalho de conseguir um espaço na grande festa. O trabalho de Marcélia é primoroso ao construir diversas camadas para sua personagem, que dialogam entre si de maneira natural: há momentos de histeria e exagero, em que a protagonista exala raiva, que logo se confrontam com uma certa tristeza e fraqueza. É fato que essa mulher esconde suas angústias e decepções nesse temperamento explosivo como forma de defesa para enfrentar a rejeição e se mostrar forte diante daqueles que a caçoam. Porém, Deberton cativa o público com uma sensibilidade extrema ao conduzir a trama de maneira que o espectador se identifique com aquela história e com aqueles personagens. Marcélia também faz isso muito bem. Seu olhar melancólico e seu jeito ranzinza emocionam ainda mais quando se conectam à sua ternura e ao seu amor pela arte. Pacarrete provoca diversos sentimentos e transita com leveza entre o drama e a comédia, mas sempre acaba na emoção. Tudo aqui é baseado na emoção e torna-se fascinante: o jeito como Pacarrete anda, fala, observa, chora, ri e se relaciona com os outros. Além da performance esplendorosa de Cartaxo, os coadjuvantes também se destacam em cena: João Miguel cativa pela doçura de seu personagem, que brinca com a ingenuidade, e consegue desmontar a explosão da protagonista; e as atrizes Soia Lira e Zezita Matos, junto com Marcélia, formam um trio divertidíssimo, que cativa pelo entrosamento perfeito entre elas. O trabalho impecável da direção de arte e do figurino também dialogam muito bem com a narrativa, assim como a trilha sonora que evidencia os acontecimentos da trama com precisão. Tudo é muito bem sincronizado por Deberton, que constrói o arco dramático de sua protagonista com empatia e emoção. Fala-se de uma mulher com um legado cultural vastíssimo, considerada um exemplo de resistência; uma bailarina apaixonada por seu ofício. Com diversos momentos comoventes e inesquecíveis, Pacarrete já nasce como um clássico do cinema brasileiro e não faltam indícios para perceber isso. Há cenas, por exemplo, que serão lembradas para sempre, como a de abertura e a final (a mais linda do longa). Pacarrete nos presenteia com a potência de Marcélia Cartaxo em cena, em uma de suas atuações mais brilhantes, e emociona ao contar uma história digna de compaixão em um belíssimo filme envolto em sensibilidade e afeto. Em um certo momento, a personagem diz: “Uma artista nunca deve deixar os palcos”. Depois desse filme, Pacarrete nunca mais sairá de cena. Impossível não se emocionar! (Vitor Búrigo)
*Filme visto no 47º Festival de Cinema de Gramado.
Nota do CINEVITOR: