Para Onde Voam as Feiticeiras

por: Cinevitor

Direção: Eliane Caffé, Carla Caffé, Beto Amaral

Elenco: Ave Terrena Alves, Fernanda Ferreira Ailish, Gabriel Lodi, Mariano Mattos Martins, Preta Ferreira, Thata Lopes, Wan Gomez, Helena Vieira, Judith Butler, Sonia Barbosa Ara Mirim, David Karai Popygua Guaraní Mbya, Beth Beli, Ilú Obá De Min, Carmen Silva, Diego Moraes, Ivaneti Araújo, Erika Hilton, Renata Carvalho, Verónica Valenttino, Amara Moira, Pastor Henrique Vieira, Jomarina Abreu Pires da Fonseca, Cindy Tobias da Silva, Joservaldo Alves de Sena, Bea Oliveira, Carolina Silvano, Samantha Cristina, Stella Yeshua, Wera MC, Thiago Henrique Karai Djekupe, Heleno Lemos, Felipe Botelho, Frente de Luta por Moradia, Valdelice Veron, Alessandra Korap, Xamõi Hortêncio, Helena Borvão, Spartakus Santiago, Rene Silva, Setor Proibido, Mônica Francisco, Sylvia Rivera, Angel, Buck Angel.

Ano: 2020

Sinopse: Artistas LGBTQIA+ ocupam um quadrilátero do centro de São Paulo e transformam o espaço público em território de humor e tragédia naquilo que testemunham do preconceito em várias nuances. O filme une encenações e improvisos de sete artistas expondo a permanência de antigos preconceitos de gênero e raça. Para Onde Voam as Feiticeiras torna visível a persistência de preconceitos arcaicos de gênero e raça no imaginário comum. No centro desta narrativa polifônica está a importância da resistência política através das alianças de luta comum entre coletivos LGBTQIA+, negritude, indígenas e trabalhadores sem teto.

Crítica: A arte está presente em nossas vidas diariamente, seja por opção ou involuntariamente. Há quem diga que não tem o hábito de consumi-la, mas não percebe que o simples fato de ligar a TV para assistir um filme já contradiz tal discurso. A música que toca no fone de ouvido enquanto você caminha, o livro que te acompanha na cama antes de dormir ou até mesmo aquele prédio histórico que chama atenção quando você atravessa a rua: tudo isso é arte. Em Para Onde Voam as Feiticeiras, documentário dirigido por Eliane Caffé, Carla Caffé e Beto Amaral, arte é o que não falta; seja nos corpos daqueles artistas, nos figurinos, nos discursos, na movimentação da equipe de filmagem. Tudo se encaixa perfeitamente. Com a proposta de dialogar sobre temas importantes e constantemente questionados, porém, muitas vezes sem ganhar a atenção necessária, o filme amplia tais debates por meio de um grupo carismático, entrosado, diversificado e formado por talentosos artistas. Ave Terrena Alves, Fernanda Ferreira Ailish, Gabriel Lodi, Mariano Mattos Martins, Preta Ferreira, Thata Lopes e Wan Gomez são os protagonistas deste registro. É no centro de São Paulo, em meio ao caos urbano, que eles se instalam. Acompanhados por uma aglomeração formada pela equipe de filmagem, que já chama a atenção de quem passa, só a presença daqueles corpos já seria o suficiente para fazer alguém parar para observar o que está acontecendo. Ainda mais com adereços e figurinos coloridos que se contrapõem ao cinza da cidade. Outro aspecto interessante do filme é a escolha de seus realizadores em revelar os bastidores da produção: é possível ver a equipe se movimentando de um lado para o outro, inclusive com a participação de alguns integrantes em cena. Com isso, é como se um novo filme surgisse dentro de Para Onde Voam as Feiticeiras; os personagens assumem a direção de suas performances, se posicionam em frente à câmera e direcionam as participações dos transeuntes; além de também conduzirem os debates, seja com um grupo de indígenas sobre preconceito ou com mulheres negras sobre o padrão branco imposto pela sociedade. O filme dentro do filme traz um certo humor diante de situações de improviso, mas também alguns momentos de tensão com opiniões divergentes e abordagens que beiram à violência de participantes de fora. A costura dessas narrativas conta com influências externas muito bem utilizadas e montadas por Eliane Caffé. Além das apresentações e participações, as imagens de arquivo aparecem como uma quebra desse entrosamento descontraído do grupo, revelando um lado mais impetuoso de situações discutidas pelos artistas. Para Onde Voam as Feiticeiras consegue realizar um retrato atual do país ao colocar o povo cara a cara com seus preconceitos; os olhares atravessados e as reações questionáveis de alguns daqueles que passam pelo grupo evidenciam ainda mais uma sociedade tomada por intolerância. Porém, há também uma parte que se identifica e enxerga a necessidade de dar voz a quem sente na pele as dores físicas e emocionais causadas pelas ignorância social e cultural. Fala-se de ridicularização, machismo, racismo, homofobia, preconceitos, aceitação e a descoberta do corpo; seja ele trans, negro, índio, gay, mulher, homem, branco, lésbica, bissexual, intersexo. Ou seja: ser humano. Convidadas especiais, como a atriz Renata Carvalho e a pesquisadora de Gênero e Sexualidade, Helena Vieira, entre tantas outras, contribuem para a relevância dos temas abordados. As próprias discussões entre os protagonistas realçam ainda mais a proposta do documentário, de expandir a liberdade de expressão daqueles que, rotineiramente, costumam ser reprimidos por uma maioria intolerante. Participações como as do Pastor Henrique Vieira ou do rapper indígena Wera MC, por exemplo, também complementam esse encontro plural de classes. Para Onde Voam as Feiticeiras é potente por ecoar temas relevantes com vozes que vivenciam efetivamente aquilo que discutem. É potente também por criar um espaço democrático de fala com criatividade e descontração sem perder a seriedade dos casos. É potente porque coloca seus artistas protagonistas em evidência com suas angústias, mas também com suas conquistas. Não faltam sorrisos nestes rostos retratados, ainda que carreguem árduas histórias de luta que resultaram em lágrimas. Há o carisma evidente, que se junta às vivências e experiências pessoais de cada um, mas é com a arte que eles seguem em frente, que marcam presença com seus corpos e tomam seus lugares. É com a arte que eles encantam e passam suas mensagens com veracidade. (Vitor Búrigo)

*Filme visto no 9º Olhar de Cinema – Festival Internacional de Curitiba.

Nota do CINEVITOR:

nota-4-estrelas

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