Direção: Josephine Decker
Elenco: Elisabeth Moss, Michael Stuhlbarg, Odessa Young, Logan Lerman, Victoria Pedretti, Robert Wuhl, Paul O’Brien, Orlagh Cassidy, Bisserat Tseggai, Allen McCullough, Tony Manna, Molly Fahey, Edward O’Blenis, Ryan Spahn, Vincent McCauley, Emily Decker, Kecia Lewis, Alexandria Sherman, Margarita Allen, Melissa Chanza, Mick Coleman, Lexa Hayes, Adelind Horan, Rosemary Howard, Ava Langford, Susan Nido, Thomas Racek, Louise Schoene, Steve Vinovich.
Ano: 2020
Sinopse: Duas personalidades imponentes estão no centro deste drama atmosférico: a escritora de terror Shirley Jackson e seu marido, Stanley Hyman, crítico literário e professor universitário. Quando o estudante de graduação Fred Nemser e sua esposa grávida, Rose, vão morar com os Hymans no outono de 1964, eles se veem envoltos sob o encanto e o magnetismo dos brilhantes e pouco convencionais anfitriões. Porém, a necessidade de Shirley de alimentar sua criatividade e escrita é uma força voraz que ameaça devorar o relacionamento do jovem casal.
Crítica: Shirley Jackson foi uma escritora americana conhecida por suas histórias de horror e suspense. Suas obras começaram a fazer sucesso no final da década de 1940 e são lembradas até hoje. Algumas ganharam adaptações cinematográficas, teatrais e televisivas; outras serviram para estudos acadêmicos. Em Shirley, de Josephine Decker, filme baseado no livro homônimo escrito por Susan Scarf Merrell, conhecemos um pouco mais sobre a intimidade da autora. Exibido em Berlim e premiado no Festival de Sundance, o longa não segue os moldes de uma cinebiografia clássica, que narra desde a infância até a morte. Aqui, o espectador é apresentado a um período específico da vida da escritora; muito interessante, diga-se de passagem. Casada com Stanley Hyman, crítico literário e professor universitário, passa a conviver com um jovem casal em sua casa: Fred e Rose; ele acompanhará Hyman em suas aulas, ela, grávida e admiradora dos livros de Shirley, terá que se adaptar a uma nova rotina caseira. Essa nova convivência diária gera, imediatamente, uma tensão entre os casais. Primeiro, de uma maneira até certo ponto agressiva com provocações e insultos. Depois, inicia-se um jogo de paciência entre algumas humilhações. E, por fim, uma tensão sexual que se espalha por todos os cômodos. Elisabeth Moss, no papel da personagem-título, entrega uma atuação magistral. A força de sua personagem começa pelo olhar sempre desconfiado e segue em uma crescente e excepcional transformação ao desenrolar da narrativa. Com a sensação de estar sempre à beira de um ataque de nervos, Shirley, fumante compulsiva e ansiosa por natureza, utiliza do deboche para testar seus inquilinos e, algumas vezes, o próprio marido, vivido brilhantemente por Michael Stuhlbarg. Sarcástica, aproveita a situação para tentar desbloquear seu processo criativo e, a partir daqui, embala em uma nova aventura. Uma nova história surge para um novo livro e a virada dramática de Shirley se torna ainda mais interessante e inquietante. Mais próxima de Rose, interpretada pela talentosa Odessa Young, enxerga na jovem moça uma provável fonte de inspiração para sua criatividade. A aproximação entre elas ganha mais intimidade e, Shirley, mesmo que egoísta, aos poucos, permite sentir tal conexão da maneira mais natural possível. O clima entra elas muda, as personalidades se misturam e a transformação de ambas as personagens potencializa a trama. Há uma certa inversão de papéis e uma integração entre as histórias: a da ficção com a realidade. O novo livro da autora praticamente se transforma em um filme dentro do próprio filme. Com a fotografia de Sturla Brandth Grøvlen, que insere com espontaneidade o espectador naquela intimidade, é possível sentir a transição física e mental dessas duas mulheres. Agora movida pela paixão, Shirley transcende, vai além do seu imaginário e embarca em uma viagem pessoal e avassaladora de emoções para concluir seu trabalho; nem que seja preciso arrastar para sua loucura os mais próximos. Assim, Josephine Decker mergulha na psique de suas protagonistas e cria um universo paralelo entre elas; sem as cobranças sociais machistas, sem crises conjugais, sem surtos constantes e sem preocupações domésticas. Shirley vai muito além de uma cinebiografia e se destaca por desbravar o instinto das personagens colocando em evidência seus desejos, loucuras, descontroles e aventuras; seja na ficção, na realidade ou em um jogo perigoso de sedução e vaidade. Resta saber quem suportará até o final. (Vitor Búrigo)
*Filme visto na 44ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo.
Nota do CINEVITOR: