O Janela Internacional de Cinema do Recife realizará sua 14ª edição entre os dias 6 e 12 de novembro, no Teatro do Parque, no Cinema da UFPE, na Cidade Universitária e nas salas Derby e Porto Digital do Cinema da Fundação; este ano, o Cinema São Luiz, fechado desde maio de 2022, ficará de fora do festival.
Uma janela para o cinema independente internacional em Pernambuco: esta foi a motivação dos diretores artísticos Kleber Mendonça Filho e Emilie Lesclaux ao realizarem, em 2008, o Janela Internacional de Cinema do Recife, festival anual que abriu portas para realizadores brasileiros e estrangeiros, e novos horizontes para gerações de pernambucanos amantes do cinema.
Em sua XIV edição, o Janela estreia com o lançamento no Recife do longa Sem Coração, de Nara Normande e Tião, no Teatro do Parque. A sessão de abertura, com a presença da diretora, equipe técnica e elenco, dá a largada para uma programação que conta com longas e curtas, entre nacionais e internacionais, que serão exibidos nas mostras não competitivas de Clássicos, Lançamentos e Sessões Especiais num total de 60 títulos em cerca de 50 exibições.
O longa Sem Coração amplia em pouco mais de uma hora a história que Nara Normande e Tião contaram em 2014 no formato de curta, com 25 minutos de duração, da menina Tamara às voltas com as últimas semanas de férias numa vila de praia antes de partir para estudar em Brasília. Um dia, ela ouve falar de uma adolescente apelidada de Sem Coração por causa de uma cicatriz que tem no peito. Ao longo do verão, Tamara sente uma atração crescente por essa menina misteriosa. Sem Coração, o longa, estreou no Brasil no início de outubro no Festival do Rio e levou o Prêmio Félix e o Troféu Redentor de melhor fotografia para Evgenia Alexandrova. Antes disso, em setembro, foi exibido na mostra competitiva Orizzonti da 80ª edição do Festival de Veneza.
Uma novidade este ano são as apresentações artísticas ao vivo, performances de grandes Divas do Lipsync recifense, como Sharlene Esse, Odilex e Raquel Simpson, que abrirão algumas sessões surpresas de filmes. As performances vêm para dar continuidade ao legado dos nossos cineteatros, locais em que as artes performáticas e o cinema sempre andaram juntas. A equipe curatorial da XIV edição do Janela Internacional de Cinema do Recife foi formada por Felipe André Silva, Lorenna Rocha, Pedro Azevedo Moreira e Rita Vênus, com consultoria artística de Luís Fernando Moura.
Lucas Limeira no longa cearense Estranho Caminho, de Guto Parente
Dirigido por Hilton Lacerda, Tatuagem, que em 2023 completa 10 anos de seu lançamento, é destaque na Mostra Clássicos, junto com Os Homens que eu Tive, de Tereza Trautman, filme de 1973, com Darlene Glória no elenco, que teve sua temporada de exibição interrompida pela ditadura militar. Em outra comemoração, o Coletivo Surto & Deslumbramento, que faz aniversário de dez anos, ganha Sessão Especial dos curtas Mama, Primavera, Estudo em Vermelho e Casa Forte.
Esta edição do Janela Internacional de Cinema é impulsionada por uma produção cinematográfica notavelmente multifacetada. O festival celebra a arte do arquivo, seja apresentando-o em sua forma original e inalterada, ou transformado pela habilidade da montagem. Ele também mantém o compromisso de trazer à tona alguns dos títulos mais notáveis do cenário cinematográfico internacional e nacional do ano, inéditos na cidade do Recife em sua maioria, e abordam temáticas que dialogam diretamente com a cultura cinematográfica local.
Uma seleção de clássicos foi desenhada para oferecer ao público títulos essenciais da cinematografia mundial, apresentados em versões 2K ou 4K, com a promessa de lançar luz à cópias raras, algumas das quais nunca antes exibidas no contexto cinematográfico, como os curtas Chico da Silva (1977), Homens Trabalhando (1978) e A Visita (1982).
A seleção de curtas-metragens é uma fusão de experimentação, performatividade e uma exploração radical da manipulação do tempo, bem como a manipulação de arquivos pessoais e públicos. Cinco sessões cuidadosamente planejadas unem filmes que abrangem o período de 2021 a 2023, originários de locais tão diversos quanto o Brasil e o Oriente Médio, conferindo para essas sessões uma progressão temática coerente. Vale destacar os títulos: Thuë pihi kuuwi: Uma Mulher Pensando, de Aida Harikariyoma Yanomami, Edmar Tokorino Yanomami e Roseane Yanomami; A Árvore, de Ana Vaz; Fala da Terra, de Bárbara Wagner e Benjamin de Burca; Filhas do Fogo, de Pedro Costa; Nada Haver, de Juliano Gomes; entre outros.
Alma Pöysti e Jussi Vatanen no longa finlandês Folhas de Outono
Na categoria de longas-metragens, além do filme de abertura, o público terá a oportunidade de apreciar diversos outros títulos que se destacaram em festivais ao redor do mundo e que chegam ao Recife pela primeira vez, como: Folhas de Outono, de Aki Kaurismäki, vencedor do Prêmio do Júri no Festival de Cannes; Não Espere Muito do Fim do Mundo, de Radu Jude, que venceu o Prêmio Especial do Júri no Festival de Locarno; Estranho Caminho, de Guto Parente, consagrado no Festival de Tribeca; O Auge do Humano 3, de Teddy Williams, que recebeu o prêmio Zabaltegi Tabakalera no Festival de San Sebastián; O Dia que Te Conheci, de André Novais de Oliveira, premiado no Festival do Rio e na Mostra de São Paulo; Los Colonos, de Felipe Gálvez Haberle, vencedor do Prêmio FIPRESCI da mostra Un Certain Regard em Cannes; entre muitos outros.
A seleção de clássicos é uma viagem pelo espaço-tempo que abraça o cinema brasileiro com obras como Os Homens que Eu Tive, de Tereza Trautman, que neste ano celebra 50 anos de sua estreia, e que antes terá a exibição do premiado curta alagoano Infantaria, de Laís Santos Araújo; e Corisco e Dadá, de Rosemberg Cariry. Este último será antecedido por uma sessão especial do curta-metragem documentário, de 1977, Chico da Silva, dirigido por Pedro Jorge de Castro, todos eles restaurados em versões DCP 4K.
Além disso, a programação traz clássicos do cinema internacional, como: Se Meu Apartamento Falasse (The Apartment), de Billy Wilder; Nights And Weekends, de Greta Gerwig, um filme marcante no movimento mumblecore de Chicago no início dos anos 2000; Vampiros de Almas (Invasion of the Body Snatchers), de Don Siegel; a comédia screwball clássica Apertem os cintos… o piloto sumiu! (Airplane!), de David Zucker, Jim Abrahams e Jerry Zucker; além de uma das obras-primas do mestre do terror italiano, Mario Bava, intitulada A Máscara do Demônio (La maschera del demonio), e o filme novaiorquino, de 1992, Ganhando Espaço (Just Another Girl on the I.R.T.), de Leslie Harris.
No contexto das sessões especiais, destacam-se: o novo título de María Alché e Benjamin Naishtat, Puan, coprodução entre Argentina e Brasil, que levou o prêmio de melhor roteiro e melhor ator para Marcelo Subiotto no Festival de San Sebastián; bem como um programa especial assinado pelo projeto de longa data Mutual Films, sob a orientação de Aaron Cutler e Mariana Shellard, que incluem uma seleção de curtas experimentais do renomado cineasta japonês Toshio Matsumoto. Além disso, o festival apresentará, de maneira especial, os curtas produzidos nos programas Janela de Criação I e II, realizados na edição passada do festival e ainda inéditos.
Fabrício Boliveira no longa Mungunzá
O festival também marcará os 10 anos do coletivo Surto & Deslumbramento com uma retrospectiva que ilustra o rico trabalho do grupo ao longo da última década. O longa musical da talentosa dupla Ary Rosa e Glenda Nicácio, intitulado Mungunzá também será exibido em uma apresentação especial e será precedido pelo curta-metragem Brainstorm: Chuva na Vidraça da Mente, do realizador Odilon Lopez.
A filmografia do diretor negro será ponto de partida para uma conversa dentro do programa Aulas do Janela, que ocorrerá on-line, dedicada à historiografia do cinema negro brasileiro, mediada pela curadora e crítica cinematográfica Lorenna Rocha. Por fim, em caráter de efeméride de comemoração, será exibido o marcante Tatuagem, de Hilton Lacerda, em ocasião do aniversário de dez anos do filme.
A série Aulas do Janela se desdobra em um eixo central na XIV edição, proporcionando uma experiência cuja abordagem se apresenta enquanto desdobramento de uma série de debates travados dentro e fora da academia acerca das implicações éticas nas relações entre espécies. As realizadoras Ana Vaz e Darks Miranda se unem à filósofa Juliana Fausto para examinar a representação animal na literatura e no cinema à luz dos conceitos de Donna Haraway. Essa aula promete ser uma jornada profícua, que mergulhará nas complexidades da expressão animal na literatura e no cinema, explorando questões éticas e conceituais.
A diversidade e a pluralidade de formações dos curadores desta edição do Janela enriquecem o processo de seleção, contribuindo para a excelência dos filmes apresentados no festival. Estes filmes enfrentam corajosamente as questões éticas que permeiam a vida pública, no Brasil e no mundo contemporâneo, integrando o cinema de forma orgânica à experiência humana, evitando a mitificação excessiva que eleva o cinema a patamares etéreos ou mesmo religiosos.
Toda curadoria é efêmera, com uma validade determinada pelo contexto temporal em que se insere. É nesse espírito que os curadores entregam esta coleção de filmes ao escrutínio do espectador atento, na esperança de proporcionar uma experiência profundamente marcante.
Fotos: Juliana Soares/Rodrigo Camargos/Rosza Filmes/Malla Hukkanen/Divulgação.